Qualidade Assistencial | 13 de setembro de 2016

O Imperativo de Preparar os Médicos para Gerenciar Serviços de Saúde

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Os médicos cumprem tarefas nobres de assistência à saúde, advogam pelos direitos dos pacientes, assim como exercem amplo domínio sobre a organização dos serviços e utilização dos recursos. Por conta disso, rotineiramente exercem a liderança de autoridade – aquela que decorre do conhecimento específico relacionado aos cuidados de saúde – a qual dá a falsa impressão de que gerir serviços de saúde depende apenas do bom senso e dedicação pessoal. Ao mesmo tempo, alguns aspiram participar das decisões estratégicas capazes de melhorar o cenário da assistência à saúde. Essa vontade pode transforma-los em “gestores acidentais” com todos os riscos advindos do escasso ou nenhum treinamento em habilidades e capacidades gerenciais. Não é raro, entretanto, observar médicos que, ao assumirem funções de gestão, logo apreendem que as exigências nesse âmbito diferem das habilidades e capacidades médicas, e procuram unir-se a alguém para compensar deficiências.

Quando as pessoas têm gosto pelo que fazem, desenvolvem suas tarefas de maneira confortável e prazerosa – querem saber mais e fazer melhor. Os médicos via de regra atuam assim quando atendem seus pacientes, porém agastam-se quando necessitam lidar com questões gerenciais. Assim, é relevante destacar que a satisfação oriunda da prática médica difere do contentamento proveniente da prática gerencial. Na primeira, os médicos particularmente são admirados pelos pacientes e familiares por conta do profissionalismo e da dedicação, e amiúde reconhecidos pelos colegas em função de suas ações bem-sucedidas. Na segunda, encontram-se vulneráveis e dependentes de outros profissionais para a consecução do trabalho que desejam efetuar; precisam mediar conflitos de interesse e delegar tarefas. Além disso, necessitam desenvolver a sensibilidade para identificar as nuances da dinâmica organizacional que podem facilitar ou dificultar a consecução de objetivos traçados. Resumindo: na prática médica o escopo encontra-se na resolução de problemas de saúde que, via de regra, conduz pacientes e familiares a se sentirem gratos; na prática gerencial, decisões tomadas podem incomodar alguns e desencadear uma onda de descontentamento nem sempre fácil de ser contornada.

Na prática médica os agradecimentos comovidos de pacientes e familiares amenizam e confortam o trabalho diário; na prática gerencial os acertos ocasionam silêncio, enquanto falhas e interesses contrariados desencadeiam julgamentos ásperos, o que torna o exercício da gestão uma atividade frequentemente entremeada de rápidos momentos de satisfação e longos períodos de tensão.       

A percepção de que a prática médica e a prática gerencial apresentam facetas próprias e complementares tem levado alguns hospitais a aplicarem o conceito da “díade gerencial” que propõe a formação de duplas (um médico e um administrador; um médico e um enfermeiro), e essas gerenciarem serviços e programas (ver aqui). Esse modelo representa uma alternativa de solução para as demandas médico-gerenciais na ponta de uma organização de saúde, ou seja, no local onde os pacientes recebem os cuidados. Não abrange, todavia, questões estratégicas institucionais. Seja como for, médicos na condição de principal dirigente de organizações de saúde, precisam da assessoria de especialistas da área administrativa, a fim de extraírem da função executiva o melhor resultado possível.

Tendo em conta o nível estratégico (base da organização de saúde), um estudo sobre a análise da associação entre a liderança dos médicos e o desempenho hospitalar (saiba mais) encontrou que os hospitais de melhor desempenho eram conduzidos por médicos. Adicionalmente, notou-se que os escores de qualidade de hospitais gerais eram 25% mais elevados quando médicos os dirigiam. Em 2013 a revista americana U.S. News and World Report, ao elaborar uma “lista de honra” com 18 hospitais, noticiou que os cinco primeiros eram conduzidos por médicos, e 10 dos 18 encontravam-se sob a condução de médicos.

Esse achado empírico não prova necessariamente que os médicos gestores sejam mais eficazes que os gestores não médicos, mas indica que as organizações de saúde classificadas com os melhores escores são, na sua maioria, administradas por médicos.

A consideração de que os médicos, tanto no nível tático-operacional quanto estratégico, podem ser úteis na elevação e manutenção da qualidade dos serviços prestados, fortalece o argumento que as organizações de saúde, em particular os hospitais, precisam investir na identificação e desenvolvimento de líderes médicos. Sinteticamente, elas devem implementar pelo menos duas iniciativas capazes de disponibilizar médicos qualificados e prontos para contribuir na gestão:

1. Oportunizar programas de desenvolvimento de lideranças médicas;

2. Capacitar os médicos em habilidades de gestão que valorizem dados e fatos, estimulem a análise crítica sistemática dos resultados assistenciais e financeiros, bem como efetuem comparações periódicas com organizações consideradas como as melhores.

O grau de complexidade alcançado pelos serviços de saúde exige ações profissionais baseadas em dois campos distintos:

Assistência

Gestão

Consequentemente, é necessário que os médicos, em qualquer escala de atuação – equipe, setor, unidade, serviço, hospital ou administração pública – conjuguem esses dois conhecimentos, entendendo que são complementares, exigem tempo e dedicação, e são imprescindíveis para o desenvolvimento sustentado das organizações de saúde.

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