Qualidade Assistencial | 19 de fevereiro de 2013

Como os médicos podem contribuir para a qualidade dos serviços de saúde

Como os medicos podem contribuir para a qualidade

Há dois campos inter-relacionados que precisam ser apreciados quando se fala na melhoria dos serviços de saúde. Um, corresponde às habilidades e capacidades técnico-científicas, que os médicos usualmente se aplicam com esmero. O outro se refere à gestão do trabalho, que implica o cumprimento de regras, a comunicação cooperativa entre colaboradores, o relacionamento com pacientes e familiares, a sequência dos processos assistenciais e administrativos, assim como as interfaces entre ambos. É sobre esse último que serão apresentadas algumas considerações.

A formação tradicional dos médicos – centrada no individualismo – tornou-se, em grande parte, antiquada na proporção em que a assistência à saúde expandiu sua complexidade, seja pela ampliação do conhecimento, das técnicas de diagnóstico e tratamento, seja pelo maior número de profissionais envolvidos no atendimento. Esse novo patamar instituiu múltiplos intercâmbios, que precisam ser gerenciados de forma mais precisa, a fim de que os pacientes usufruam de modo pleno os benefícios da moderna assistência médico-hospitalar.

Persiste a medicina simples onde os médicos isoladamente atendem os pacientes. Nesse estágio da prática, não é imperioso o trabalho em equipe, a mensuração de processos e resultados, e assim por diante. O novo nível evolutivo da prática médica, contudo, exige uma atuação que pondera interdependências. Nessas condições, brotam exigências pelo trabalho em equipe (que exige tempo), compartilhamento de obrigações e renúncia à autonomia profissional absoluta, preservando-se, porém, a responsabilidade final dos médicos pelo muito que ocorre na assistência aos pacientes.

Eis 10 pontos fundamentais do cotidiano da prática médica que dão indícios de que os princípios da melhoria da qualidade começaram a ser aplicados:

1. Cumprir horários pré-estabelecidos: O descumprimento de horários, muito comum na assistência à saúde, é sempre justificado pela sobrecarga de trabalho ou contratempos nas atividades desenvolvidas. A ciência da qualidade entende essas explicações como falhas de gestão (deficiências na busca de resultado) e não como algo corriqueiro à função desempenhada. O gerenciamento do tempo, pelo conjunto de fatores envolvidos, constitui-se em uma atividade complexa que só tende a melhorar se os médicos receberem algum tipo de treinamento.

2. Atender amigavelmente tanto o paciente quanto o familiar: Essa alusão, aparentemente óbvia, dá dignidade à relação médico-paciente-familiar e reconhecimento aos médicos. Caso algum aspecto desperte irritabilidade, a melhor conduta é conter-se e tentar analisar posteriormente os motivos da ocorrência (atitude típica da aplicação da ciência da qualidade).

3. Registrar o atendimento realizado (clínico e cirúrgico): Outro aspecto óbvio, mas de enorme relevância para o acompanhamento do cuidado prestado, assim como para a cobrança das contas junto às fontes pagadoras e várias outras utilidades fundamentais.

4. Aplicar o Termo de Consentimento Informado: Este instrumento é uma maneira padronizada de colher a decisão dos pacientes e/ou familiar quanto ao atendimento indicado, que peculiarmente sempre envolve riscos. Caso ocorra um incidente, os médicos estarão em melhores condições de prestar esclarecimentos, sem ter que utilizar subterfúgios ou ocultar fatos.

5. Conhecer e aplicar os protocolos assistenciais: Estes instrumentos reduzem a variação na assistência e, consequentemente, a variação nos custos e nos resultados. A maioria dos médicos acredita que eles ameaçam a arte e a autonomia profissional.  Na prática diária, contudo, cultivam “protocolos pessoais”. Sabem que essas iniciativas estabilizam as condutas/procedimentos, e balizam pré-condições para um novo ciclo de melhoria.

6. Conhecer as regras de utilização dos materiais e medicamentos: Com frequência os médicos pressionam os funcionários dos hospitais para que disponibilizem determinado material ou medicamento para os seus pacientes. Se não houver uma política institucional clara sobre o assunto, os funcionários se sentirão atormentados e os médicos frustrados (a melhoria da qualidade almeja a satisfação das pessoas).

7. Participar da aplicação da lista de verificação da cirurgia/procedimento/exame seguro: Uma medida simples que pode evitar incidentes assistenciais catastróficos, com danos não apenas para os pacientes, mas também para os médicos, demais profissionais envolvidos e à instituição onde o atendimento foi prestado.

8. Trabalhar em equipe: Isto causa desconforto na maioria dos médicos, uma vez que é considerada uma atividade de menor relevância. Trabalhar em equipe, entretanto, constitui-se em uma habilidade essencial na medicina moderna. É preciso algum tipo de treinamento para exercer essa função apropriadamente.

9. Contabilizar os atendimentos bem sucedidos e mal sucedidos: Coletar, agregar, analisar e exibir dados sobre a produção assistencial e questões gerenciais são tarefas que os médicos possuem pouca experiência. Em melhoria contínua, os dados e informações não são utilizados para julgar e disciplinar as pessoas, mas para educar e melhorar os resultados para todos.

10. Reduzir desperdícios, duplicação e complexidade desnecessária: Quando essas medidas são aplicadas, estamos diante de ações de melhoria da qualidade, desde que a evidência disso seja expressa em números relacionados com financeiro, clientes, colaboradores e sociedade em geral.

A prática médica possui hábitos que são disfuncionais no mundo da gestão da qualidade. Há regras, crenças e rituais que desperdiçam tempo e geram situações difusas que incomodam as pessoas. É necessário um encontro de excelências entre a gestão do negócio e a gestão da assistência, a fim de que os médicos e demais profissionais se sintam mais felizes na execução de suas tarefas diárias.

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