Médicos, qualidade dos serviços e segurança do paciente

Na perspectiva dos médicos a discussão sobre “qualidade” e “segurança do paciente” encontra-se no centro da prática médica e, consequentemente, constitui-se em algo óbvio. Frases do tipo “primeiro não causar dano”, “fazer o melhor pelo paciente”, “assumir a responsabilidade pelo bem-estar do paciente” expressam parte do que acontece cotidianamente.
Os médicos possuem uma visão peculiar sobre a qualidade e segurança do paciente que se baseia em duas premissas: a) Se somos pessoalmente responsáveis pelos cuidados dos pacientes, então devemos ter o total controle e autonomia quanto às decisões relacionadas ao atendimento; b) Se trabalhamos e estudamos arduamente, não cometeremos falhas e incidentes assistenciais. Essas conjeturas fazem com que os médicos, aparentemente, não queiram colaborar com as iniciativas de qualidade e segurança do paciente promovida pelos gestores hospitalares. A dissonância deriva-se, portanto, da oposição entre a autonomia individual e a visão sistêmica da qualidade e segurança do paciente, que, por sua vez, impõe-se cada vez com maior ênfase em função da crescente complexidade do atendimento médico.
Os gestores hospitalares frequentemente indagam: Como envolver os médicos nos programas de melhoria da qualidade e segurança do paciente dos hospitais? Ora, se os médicos já possuem o hábito de trabalhar com essas duas categorias, a pergunta deve ser outra: Como podemos participar da qualidade e a segurança do paciente exercida pelos médicos?
É impossível, consistentemente, melhorar a qualidade e a segurança do paciente sem os médicos. Assim, para convencê-los a acolher o enfoque sistêmico, é necessário considerar alguns aspectos:
1. Centralize nos resultados clínicos e na eliminação do desperdício de tempo
Os médicos estão particularmente interessados em duas coisas: os resultados clínicos e a redução do tempo desperdiçado. Tudo que for efetuado no sentido de favorecer o atendimento do paciente será bem-vindo. Tudo que reduzir, ou eliminar dissipadores de tempo (por exemplo, tarefas administrativas supostamente desnecessárias, reuniões sem direção e atrasos no fluxo de pacientes na estrutura hospitalar) atrairá médicos, favorecerá um melhor atendimento e dará maior satisfação profissional.
2. Trate os médicos como parceiros
Os médicos precisam ser considerados como parceiros, não como clientes ou contratados. Mas para agir desse modo é necessária uma pré-condição: diálogo permanente entre os gestores e os médicos líderes, associado a uma comunicação sistemática das coisas boas e ruins em primeira mão.
3. Esteja atento ao impacto financeiro na prática médica
Quando os médicos estão ganhando valores supostamente elevados, os gestores, não raro, assumem o papel de bisbilhoteiros, porém não agem da mesma forma quando os valores são baixos. Aliás, valores baixos tendem a ser interpretados como sinal de uma administração bem sucedida, o que é uma perversidade. Não há médicos qualificados sem uma remuneração digna; não há segurança do paciente sem uma administração que aproxime médicos e demais profissionais das iniciativas institucionais de qualidade e segurança do paciente.
4. Pondere aspectos culturais da formação médica
Os médicos possuem uma memória notável para as últimas trapalhadas dos gestores hospitalares. Por exemplo, questões de contratação, acertos financeiros, mudança de programação das cirurgias eletivas, manutenção de equipamentos, disponibilidade de determinados materiais e medicamentos. Essas situações precisam ser resolvidas para que os médicos confiem na administração e colaborem com as iniciativas de melhoria da qualidade e segurança do paciente. Ir em busca do diálogo, antes e após os fatos incômodos, é uma providência que ameniza conflitos e amiúde eleva o grau de confiança entre as partes.
5. Solicite a opinião dos médicos com função estruturante (diretor médico, chefe de serviço) para ações com impacto na prática médica
Existem algumas iniciativas em que a participação dos médicos é absolutamente fundamental (ex.; aquisição de equipamentos ou de certos materiais, criação de um novo serviço). Os médicos querem dar palpite nas coisas que consideram essenciais para o atendimento do paciente e sua satisfação profissional.
6. Envolva, desde o início, os médicos com função estruturante
As iniciativas com impacto na prática médica devem ser discutidas, desde o início, com os médicos líderes. Além disso, os resultados positivos deverão ser creditados principalmente a eles. Quaisquer medidas impostas (ex.: implantação de protocolos) criam enormes conflitos, o que indica a necessidade de delicadas e sinuosas negociações. Tudo que for executado com o apoio dos médicos líderes é a melhor solução.
7. Comunique com sinceridade e frequência
Os gestores hospitalares tendem a reter informações e/ou dados quando eles são sensíveis, estratégicos ou difíceis de serem informados. É, no entanto, nessas situações que se torna necessária a comunicação direta e sincera. Como os médicos não confiam em dados interpretados, é apropriado fornecer dados brutos, apoiados em análise consistente, mesmo que não tenham tempo para avalia-los convenientemente. Essa medida comumente leva os médicos a acreditar nos gestores.
8. Faça um plano institucional para incluir os médicos
Os gestores, assim como fazem planos econômico-financeiros, devem elaborar planos de inclusão dos médicos líderes nas iniciativas de qualidade e segurança do paciente, e dar visibilidade institucional aos mesmos.
Concluindo: a maioria dos hospitais tem promovido melhorias sem a participação dos médicos, o que é um resultado parcial. É preciso, todavia, com paciência e diplomacia, unir corações e mentes dos médicos e dos gestores pela causa comum da qualidade e segurança do paciente.
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Alice
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Martha Moazez