Quinto Neto é um dos principais percursores do modelo de acreditação no Brasil. Em sua coluna, aborda assuntos como as certificações de qualidade em saúde, o sistema de saúde brasileiro e a segurança do paciente.
Descompassos na Comunicação entre OPS e Prestadores de Serviços de Saúde: Impactos Sistêmicos e Caminhos para a Correção
No setor da saúde suplementar, os ruídos na comunicação entre Operadoras de Planos de Saúde (OPS) e prestadores de serviços são frequentes e custosos. Esses desencontros geram mal-entendidos, desconforto para beneficiários e médicos, retrabalho, perdas financeiras e, não raramente, judicialização[1]. Vale ressaltar que, em muitos casos, os próprios prestadores também contribuem com falhas operacionais para esse conturbado cenário. Isso tem muito a ver com a mentalidade adversária[2] entre pagadores e prestadores de serviços de saúde que renega o fato de que “ambos têm o que o outro almeja”[3]. O resultado é um ciclo vicioso de ineficiências que afeta todos os envolvidos e origina impactos críticos econômicos e assistenciais.
A comunicação é um dos pilares essenciais para o funcionamento de qualquer organização. No contexto específico das OPS e dos prestadores de serviços, cuja relação é marcada pela dependência bilateral, a clareza nas regras, normas, instruções e procedimentos, associada à construção colaborativa dos acordos, é determinante para a fluidez dos processos, maior alinhamento das expectativas, comprometimento dos profissionais e mitigação de conflitos operacionais[4].
A interdependência entre as OPSs e os prestadores de serviços é uma característica estrutural do ecossistema da saúde suplementar. No entanto, embora essa relação deva ser orientada pela cooperação e alinhamento de objetivos, falhas recorrentes de comunicação comprometem a qualidade da assistência, elevam os custos e enfraquece o sistema como um todo.
Causas da Comunicação Ineficaz
As falhas de comunicação entre operadoras e prestadores não surgem ao acaso. Resultam de uma combinação de fatores, entre os quais se destacam:
Protocolos e fluxos inexistentes, mal definidos ou desatualizados[5]: dificultam o atendimento, produzem atrasos, elevam os custos e prejudicam a imagem das OPS;
Uso fragmentado de sistemas e plataformas digitais[6]: a disseminação de sistemas e plataformas ad hoc dificultam a troca de informações, provocam demoras excessivas ou bloqueiam o intercâmbio de dados e informações;
Falta de padronização nos processos de autorização prévia, auditoria e faturamento[7]: isso atordoa os prestadores, compromete a fluidez e a efetividade das relações entre as partes, tornando, consequentemente, fonte habitual de conflito;
Ausência de canais eficazes para esclarecimento de dúvidas em tempo real[8]: conduz à demora no esclarecimento de dúvidas que impacta negativamente nos fluxos assistenciais;
Interpretação ambígua de normas regulatórias e cláusulas contratuais[9]: gera insegurança jurídica. alimenta conflitos operacionais e compromete a previsibilidade nas relações entre OPS e prestadores de serviços de saúde. Na prática, isso se traduz em atrasos na autorização de procedimentos, glosas recorrentes, divergências na cobertura de materiais e serviços, além de disputas sobre responsabilidades técnicas e financeiras.
Impactos para o Sistema de Saúde Suplementar
As falhas de comunicação têm consequências que vão além de meros equívocos pontuais. Elas provocam disfunções sistêmicas, como:
Para os pacientes: atrasos em procedimentos, cancelamentos por falhas operacionais e fragmentação do cuidado;
Para os prestadores: glosas, retrabalho administrativo, desmotivação profissional e judicializações;
Para as operadoras: perda de eficiência, aumento da judicialização e deterioração da imagem institucional;
Para o sistema como um todo: a redução da confiança entre OPS e prestadores de serviços, fragiliza as relações com rede credenciada, compromete a qualidade assistencial e contribui para o aumento de custos operacionais e assistenciais.
Esses efeitos apontam para a necessidade urgente de modernização dos processos de comunicação e construção de um modelo mais colaborativo (que obrigatoriamente deverá ser mais transparente).
Caminhos para a Reconstrução da Confiança
Superar os entraves na comunicação requer ação conjunta, intencional e estratégica. Eis algumas direções possíveis:
Implantação de canais bidirecionais, resolutivos e acessíveis, com suporte qualificado, capazes de atender em tempo real as demandas assistenciais e operacionais;
Padronização de fluxos operacionais, especialmente nos processos de autorização, auditoria e faturamento;
Adoção de plataformas digitais interoperáveis, que integrem sistemas distintos de forma eficaz;
Capacitação contínua das equipes administrativas e assistenciais com foco em normativas, processos e boas práticas de relacionamento;
Promoção de modelos colaborativos de remuneração que alinhem os interesses em torno do cuidado centrado no paciente.
Conclusão
A deficiência na comunicação entre operadoras e prestadores não é apenas um problema operacional – é um risco sistêmico que compromete o acesso, prejudica a qualidade e ameaça a sustentabilidade da saúde suplementar. Superar esse desafio requer mais do que tecnologia: exige compromisso com uma atitude colaborativa, disposição para mudar e vontade de reconstruir a confiança. É hora de transformar o ruído em diálogo, o conflito em colaboração. O futuro da saúde dependerá, sobretudo, da capacidade de conversar, ouvir e agir em conjunto.
[5] Silva, A; Souza, C. Gestão de Processos em Organizações de Saúde. Revista de Administração em Saúde, 17(68), 1-14, 2017.
[6] Torab-Miandoab, A; Samad-Soltani, T; Jodati, A; Rezaei-Hachesu, P. Interoperability of heterogeneous health information systems: a systematic literature review. BMC Med Inform Decis Mak, jan 24;23(1):18, 2023.
[7] Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Caderno de Boas Práticas: Relacionamento entre Operadoras e Prestadores.