Gestão | 12 de agosto de 2025

Descompassos na Comunicação entre OPS e Prestadores de Serviços de Saúde: Impactos Sistêmicos e Caminhos para a Correção

Descompassos na Comunicação entre Operadoras e Prestadores de Serviços de Saúde Impactos Sistêmicos e Caminhos para a Correção

No setor da saúde suplementar, os ruídos na comunicação entre Operadoras de Planos de Saúde (OPS) e prestadores de serviços são frequentes e custosos. Esses desencontros geram mal-entendidos, desconforto para beneficiários e médicos, retrabalho, perdas financeiras e, não raramente, judicialização[1]. Vale ressaltar que, em muitos casos, os próprios prestadores também contribuem com falhas operacionais para esse conturbado cenário. Isso tem muito a ver com a mentalidade adversária[2] entre pagadores e prestadores de serviços de saúde que renega o fato de que “ambos têm o que o outro almeja”[3]. O resultado é um ciclo vicioso de ineficiências que afeta todos os envolvidos e origina impactos críticos econômicos e assistenciais.

A comunicação é um dos pilares essenciais para o funcionamento de qualquer organização. No contexto específico das OPS e dos prestadores de serviços, cuja relação é marcada pela dependência bilateral, a clareza nas regras, normas, instruções e procedimentos, associada à construção colaborativa dos acordos, é determinante para a fluidez dos processos, maior alinhamento das expectativas, comprometimento dos profissionais e mitigação de conflitos operacionais[4].

A interdependência entre as OPSs e os prestadores de serviços é uma característica estrutural do ecossistema da saúde suplementar. No entanto, embora essa relação deva ser orientada pela cooperação e alinhamento de objetivos, falhas recorrentes de comunicação comprometem a qualidade da assistência, elevam os custos e enfraquece o sistema como um todo.

Causas da Comunicação Ineficaz

As falhas de comunicação entre operadoras e prestadores não surgem ao acaso. Resultam de uma combinação de fatores, entre os quais se destacam:

  • Protocolos e fluxos inexistentes, mal definidos ou desatualizados[5]: dificultam o atendimento, produzem atrasos, elevam os custos e prejudicam a imagem das OPS;

  • Uso fragmentado de sistemas e plataformas digitais[6]: a disseminação de sistemas e plataformas ad hoc dificultam a troca de informações, provocam demoras excessivas ou bloqueiam o intercâmbio de dados e informações;

  • Falta de padronização nos processos de autorização prévia, auditoria e faturamento[7]: isso atordoa os prestadores, compromete a fluidez e a efetividade das relações entre as partes, tornando, consequentemente, fonte habitual de conflito;

  • Ausência de canais eficazes para esclarecimento de dúvidas em tempo real[8]: conduz à demora no esclarecimento de dúvidas que impacta negativamente nos fluxos assistenciais;

  • Interpretação ambígua de normas regulatórias e cláusulas contratuais[9]: gera insegurança jurídica. alimenta conflitos operacionais e compromete a previsibilidade nas relações entre OPS e prestadores de serviços de saúde. Na prática, isso se traduz em atrasos na autorização de procedimentos, glosas recorrentes, divergências na cobertura de materiais e serviços, além de disputas sobre responsabilidades técnicas e financeiras.

Impactos para o Sistema de Saúde Suplementar

As falhas de comunicação têm consequências que vão além de meros equívocos pontuais. Elas provocam disfunções sistêmicas, como:

  • Para os pacientes: atrasos em procedimentos, cancelamentos por falhas operacionais e fragmentação do cuidado;

  • Para os prestadores: glosas, retrabalho administrativo, desmotivação profissional e judicializações;

  • Para as operadoras: perda de eficiência, aumento da judicialização e deterioração da imagem institucional;

  • Para o sistema como um todo: a redução da confiança entre OPS e prestadores de serviços, fragiliza as relações com rede credenciada, compromete a qualidade assistencial e contribui para o aumento de custos operacionais e assistenciais.

Esses efeitos apontam para a necessidade urgente de modernização dos processos de comunicação e construção de um modelo mais colaborativo (que obrigatoriamente deverá ser mais transparente).

Caminhos para a Reconstrução da Confiança

Superar os entraves na comunicação requer ação conjunta, intencional e estratégica. Eis algumas direções possíveis:

  • Implantação de canais bidirecionais, resolutivos e acessíveis, com suporte qualificado, capazes de atender em tempo real as demandas assistenciais e operacionais;

  • Padronização de fluxos operacionais, especialmente nos processos de autorização, auditoria e faturamento;

  • Adoção de plataformas digitais interoperáveis, que integrem sistemas distintos de forma eficaz;

  • Capacitação contínua das equipes administrativas e assistenciais com foco em normativas, processos e boas práticas de relacionamento;

  • Promoção de modelos colaborativos de remuneração que alinhem os interesses em torno do cuidado centrado no paciente.

Conclusão

A deficiência na comunicação entre operadoras e prestadores não é apenas um problema operacional – é um risco sistêmico que compromete o acesso, prejudica a qualidade e ameaça a sustentabilidade da saúde suplementar. Superar esse desafio requer mais do que tecnologia: exige compromisso com uma atitude colaborativa, disposição para mudar e vontade de reconstruir a confiança. É hora de transformar o ruído em diálogo, o conflito em colaboração. O futuro da saúde dependerá, sobretudo, da capacidade de conversar, ouvir e agir em conjunto.


[1] Silva, R; Santos, J; Cavalcanti, M; Fossatti, P. Comunicação entre prestadores e operadoras de saúde: um estudo de caso. Cadernos de Ensino e Pesquisa em Saúde, v. 1, n. 01, p. 200-225, 22/nov/2021. https://revista.ghc.com.br/index.php/cadernosdeensinoepesquisa/article/view/33/20.
[2] Porter, M; Teisberg, E. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Bookman, 2007, 432 p.
[3] Cross, D; Lin, S; Adler-Milstein, J. Assessing payer perspectives on health information exchange. J Am Med Inform Assoc, 23(2):297-303, 2016.
[4] Marques, J. A importância da comunicação eficaz nas organizações. Instituto Brasileiro de Coaching, 22/jan/2022. https://www.ibccoaching.com.br/portal/rh-gestao-pessoas/importancia-comunicacao-eficaz-organizacoes/.
[5] Silva, A; Souza, C. Gestão de Processos em Organizações de Saúde. Revista de Administração em Saúde, 17(68), 1-14, 2017.
[6] Torab-Miandoab, A; Samad-Soltani, T; Jodati, A; Rezaei-Hachesu, P. Interoperability of heterogeneous health information systems: a systematic literature review. BMC Med Inform Decis Mak, jan 24;23(1):18, 2023.
[7] Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Caderno de Boas Práticas: Relacionamento entre Operadoras e Prestadores.
[8] Ibidem.
[9] Bahia, L; Scheffer, M; Aith, F. Judicialização da saúde no Brasil: dados, reflexões e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 21(2), 3809-3817, 2016.

 

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