Impulsionadores da Melhor Gestão em Serviços de Saúde
Os serviços de saúde, em particular os hospitais, vivem no limiar das possibilidades, o que faz pensar, em primeiro lugar, que a maioria das questões se resume à escassez de recursos financeiros. Em um ambiente de negócio onde predomina o lamento por mais recursos, torna-se extenuante mostrar a relevância das práticas de gestão. Adiciona-se a isso o fato de que as organizações de saúde atraem pessoas com limitado treinamento gerencial e um enorme desejo de fazer o bem. Isso contribui para mantê-las em um estágio rudimentar de gestão.
O que transforma as organizações de saúde em ambientes melhores – em estrutura, funcionamento e entrega de serviços – são as práticas de gestão. Profissionais qualificados, instalações, equipamentos, materiais e outros insumos são meios que precisam ser geridos de forma coordenada, a fim de que seja extraído o melhor e o máximo dos mesmos. Como destacam Stern e Cooper[1]:
A gestão tem importância. É coisa séria. Chata, às vezes – mas quase sempre importante. Precisamos encará-la com seriedade e melhorá-la.
Pesquisa conduzida pela Kinsey[2], com uma equipe de mais de 40 entrevistadores em quase 1.200 hospitais no Canadá, França, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e EUA, identificou correlação positiva entre as melhores práticas de gestão hospitalar e resultados (tanto assistenciais quanto econômicos). Percebeu-se, como na indústria de manufatura, que os fatores com variação expressiva na gestão hospitalar eram semelhantes: concorrência, escalabilidade, habilidades, autonomia e propriedade.
Concorrência
Na cultura nacional a concorrência é enaltecida por alguns e temida pela maioria. O argumento da utilidade da concorrência é que os gestores precisam esmerar-se nas estratégias de negócio para manter ou ampliar os ganhos de suas organizações. Essa condição, ainda de baixa intensidade no âmbito das organizações de saúde (que tende a aumentar quando surgem organizações mais estruturadas), exige gestores qualificados e maior aplicação das melhores práticas de gestão. As organizações de saúde com gestão precária, por sua vez, tendem a ser deficitárias e assumidas pelas bem-sucedidas, ou encerram suas atividades (atitude excepcional em vista da marcante representatividade no imaginário da população servida). A pesquisa mostrou que a concorrência promove melhor gestão e maior produtividade.
Insight 1: Organizações de saúde atuantes em grandes cidades, em tese, serão melhor gerenciadas do que em pequenas cidades, por conta do número de organizações existentes.
Escalabilidade
Tamanho importa. As práticas de gestão são melhores em hospitais maiores que menores. Hospitais com menos de 100 colaboradores inclinam-se a apresentar práticas de gestão menos eficazes. No setor privado, os hospitais bem geridos tendem a crescer na medida em que se tornam bem-sucedidos.
Os elementos observados na pesquisa sugerem que a gestão determina o tamanho, não o inverso.
Insight 2: Organizações com menos de 100 colaboradores terão mais dificuldades de aplicar boas práticas de gestão, ou dito de outra forma, organizações com mais de 100 colaboradores terão mais facilidade de aplicar boas práticas de gestão.
Habilidades
Os hospitais são organizações baseadas no conhecimento intensivo. Os médicos, usualmente, são considerados pelos gestores apenas como especialistas de suas áreas e desconsideram a importância que podem ter exercendo atividades de gestão. A pesquisa identificou que existe uma expressiva correlação entre o número de gestores com formação clínica e uma melhoria no escore de gestão das organizações de saúde. Os gestores clinicamente treinados podem compreender melhor os desafios clínicos, comunicar-se com o pessoal clínico em uma linguagem que eles entendem, e desfrutar de uma credibilidade que raramente os não-clínicos conseguem.
Na maioria dos hospitais a participação dos médicos em atividades de gestão é decorrente de exigências legais, sem qualquer treinamento específico, o que não agrega em quase nada para a melhoria dos serviços. É necessário, portanto, treiná-los para que se tornem capazes de gerenciar, competentemente, os serviços de saúde[3].
Insight 3: Os gestores devem incentivar o treinamento de médicos em liderança e gestão. Isso fará com que estes atuem com maior eficácia e acelerem a implementação de medidas que necessariamente precisam do conhecimento especializado associada às atividades administrativas.
Autonomia
Um dos temas mais relevantes nas organizações de saúde é a autonomia dos gestores. Observa-se, com frequência, que as organizações possuem duas diretorias, ou melhor, duas cabeças: uma técnica e outra do proprietário, sendo esta última a condutora das questões financeiras. Essa dicotomia cria situações extravagantes onde o gestor técnico indica determinadas ações (tendo em conta, obviamente, aspectos políticos naturais) e o proprietário obstaculiza ou, de forma mais radical, ordena medidas contrárias às recomendadas pelo gestor principal.
A pesquisa identificou que hospitais com alto desempenho possuem gestores (frequentemente clínicos) com níveis mais elevados de autonomia do que de hospitais com baixo desempenho. Constatou-se que a autonomia representa para os gestores um dos mais relevantes incentivos para a sua atuação, inclusive maior que o incentivo financeiro.
Insight 4: É uma atitude sábia dar autonomia aos gestores, a fim de que eles conciliem questões financeiras com as operações necessárias à condução do negócio e, consequentemente, o cumprimento da missão institucional.
Propriedade
Os hospitais privados pontuam mais do que os hospitais públicos nas medidas de gestão. Isto decorre principalmente dos escores mais altos relacionados com a gestão de talentos, em que os hospitais privados detêm instrumentos administrativos que possibilitam livrar-se de restrições de recrutamento, realizar, de forma mais eficaz, a gestão de desempenho e recompensar os melhores.
Insight 5: As regras administrativas que regem os hospitais privados os colocam em posição de maior facilidade para gerenciar pessoas.
Conclusões
1. Gestores que combinam habilidades clínicas e gerenciais são fundamentais para o melhor desempenho das organizações de saúde.
2. Os centros acadêmicos deveriam desenvolver programas de liderança e gestão para médicos e outros profissionais de saúde.
3. Se os pacientes percebem que os cuidados proporcionados e a segurança médico-assistencial são qualificados, é muito provável que estejam diante de organizações bem gerenciadas.
[1] Stern, S; Cooper, C. Mitos da gestão: descubra por que quase tudo que você ouviu sobre gestão é mito. São Paulo: Autêntica Business, 2018. 247 p.
[2] Dorgan, S et allii. Management in healthcare: why good practice really matters. Centre for Economic Performance; London School of Economic and Political Science; Mc Kinsey Company. 01 March 2011.
[3] Loh, E (2015), “Doctors as health managers: an oxymoron, or a good idea?”, Journal of Work-Applied Management, Vol. 7 No. 1, pp. 52-60. https://doi.org/10.1108/JWAM-10-2015-005