Acreditação, Segurança do Paciente | 5 de fevereiro de 2018

Segurança Assistencial Hospitalar no País (Parte 1 de 2)

Segurança Assistencial Hospitalar no País (Parte 1 de 2)

Existem duas prioridades fundamentais nas organizações de saúde: a segurança do paciente e a sustentabilidade financeira [1]. Na realidade nacional o que mais se comenta é a insuficiência financeira e a sua correlação com a precariedade dos serviços. São aspectos com lógicas diferentes, que em algum momento se unem e criam um cenário assistencial favorável ou desfavorável para os cuidados seguros. No caso específico dos incidentes assistenciais, não é direta a conexão entre recursos disponíveis e redução daqueles. Se assim fosse, os hospitais de países desenvolvidos não exibiriam eventos adversos em uma proporção que levou a Organização Mundial da Saúde a considerá-los um problema de saúde pública.

As organizações de saúde, em particular os hospitais, por variadas razões, encontram-se em um patamar de segurança muito abaixo das organizações de alta confiabilidade (aviação comercial, usinas nucleares, ferroviais europeias). Nestas, quando ocorre um incidente, logo a mídia noticia e o mundo toma conhecimento. O impacto de um incidente, portanto, adquire alta relevância social, seja por comprometer vidas humanas, seja por causar perda econômica. Isso não ocorre nas organizações de saúde. Os incidentes, pelo contrário, são mantidos em segredo dentro dos próprios serviços onde ocorreram, e podem alcançar uma reduzida visibilidade no todo organizacional, e diminuta ou nenhuma externalidade. Fato que chama atenção é que, mesmo os incidentes assistenciais com grande exposição pública, na prática não alteram a reputação das organizações envolvidas.

Aparentemente, a impressão é de que o público em geral traduz os incidentes assistenciais como casos isolados e dependentes da “negligência” de alguns profissionais, não da fragilidade das estruturas e processos das organizações de saúde.

Recentemente foi publicado um relatório sobre a segurança assistencial hospitalar [2] no país. Trata-se do primeiro documento que expressa, de forma consistente, o quadro da segurança assistencial nos hospitais. O estudo mostrou que a realidade encontrada superou o que se imaginava em termos do baixo grau de segurança assistencial.

Eis algumas conclusões, baseadas em dados de 2016, que o Anuário expõe sobre os incidentes assistenciais nos hospitais nacionais:

1. Dos 19.128.382 cidadãos internados no ano, 1.377.243 (7,2%) foram vítimas de ao menos uma condição adquirida durante a internação. Trata-se de uma extrapolação baseada em percentual identificado em países desenvolvidos.

2. Os óbitos relacionados com as condições adquiridas hospitalares ficaram entre 172.154 e 432.301. Nos pacientes com condições adquiridas a mortalidade foi de 12,7% e naqueles sem condições adquiridas chegou a 1,3%.

3. As condições adquiridas hospitalares naquele ano oscilaram entre 120.514 e 302.610 óbitos intra-hospitalares. Os autores, tendo em conta as características do sistema de saúde brasileiro, e suas peculiaridades, destacaram que a referência 302.610 óbitos seria a mais próxima da realidade do país. Os incidentes assistenciais intra-hospitalares representariam a segunda causa de morte mais comum no país. Considerando isso como verdadeiro, o dado é alarmante.

4. Perfil das vítimas: pacientes clínicos nos extremos de idade (<28 dias; >60 anos).

5. As vítimas de condições adquiridas não infecciosas foram mais freqüentes (85,3%) do que as vítimas das infecções relacionadas à assistência (infecção hospitalar, 14,7 %) e a maioria delas produziu dano aos pacientes (71,7%). Os eventos adversos não infecciosos, portanto, aparecem, pela primeira vez, como mais impactantes que as infecções relacionadas ao atendimento de saúde. Trata-se de um fato novo, uma vez que ainda predomina no ambiente assistencial a ideia de que a infecção relacionada ao atendimento de saúde representa, pelos efeitos deletérios causados, o grande “inimigo” a ser combatido.

6. As condições adquiridas com dano mais frequentes foram: a ulcera de pressão, Infecção urinária associada ao uso sonda vesical, Infecção de sítio cirúrgico, fraturas/outras lesões decorrentes de quedas ou traumatismos dentro do hospital, trombose venosa profunda ou embolia pulmonar, infecção relacionada à cateter venoso central.

7. Os pacientes com condição adquirida permaneceram internados um tempo 3,1 vezes maior do que a mediana de tempo previsto na alta pelo DRG Brasil®. Os pacientes sem condição adquirida tiveram um tempo de permanência 1,2 vezes maior do que a mediana do tempo previsto na alta pelo DRG Brasil®.

8. As condições adquiridas hospitalares determinaram um desperdício de 15,57 bilhões de reais na saúde suplementar em 2016. Outro dado alarmante!

9. Grande parte da rede hospitalar não atende aos requisitos mínimos para a segurança assistencial. Há descumprimento de aspectos relacionados à estrutura física, equipamentos, controle de processos assistenciais, dimensionamento do quadro de pessoal e não atendimento à legislação sanitária brasileira.

10. O atual modelo de compra de serviços hospitalares pelas fontes pagadoras cria uma situação paradoxal: quanto pior a qualidade do hospital, maior a incidência de eventos adversos, maior o consumo de insumos e serviços, e maior a receita hospitalar.

11. Existe conhecimento científico disponível capaz de promover a redução dos eventos adversos e suas conseqüências.

 

(Texto continua com parte 2, em breve aqui no www.setorsaude.com.br)

 

[1] Quinto Neto, A. Estética da acreditação. Porto Alegre: Instituto de Administração Hospitalar e Ciências da Saúde (IAHCS), 2016.

[2] Couto, RC et alli. Anuário da segurança assistencial hospitalar no Brasil. Belo Horizonte: IESS, 2017. https://www.yumpu.com/pt/document/view/59596129/anuario-atualizado-0612pdf. Acessado em 03/fev/2018.

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