Acreditação Hospitalar: Garantia de Segurança Assistencial ou Reforço do Marketing?
A acreditação é uma metodologia de avaliação externa, independente, voluntária, periódica, que verifica padrões dinâmicos relacionados com três domínios (estrutura, processos e resultados) e reconhece a qualidade dos serviços e a segurança nas organizações de saúde. É parte de um posicionamento de gestão da melhoria da qualidade que se desenvolve ao longo do tempo, não se constituindo um fim em si mesmo. Encerra o escopo essencial de prover um quadro de referência que facilite o monitoramento contínuo dos serviços prestados à comunidade. Entretanto, como qualquer iniciativa humana, possui variadas conotações políticas, econômicas e sociais. E nesse sentido há uma parcela de inquietação naqueles que advertem o emprego desse método como uma condição que fortalece o marketing, o que supostamente poderia reduzir o interesse institucional em aprimorar continuamente a qualidade e a segurança em benefício dos clientes/pacientes, dos profissionais, da organização de saúde e da própria comunidade.
Há os que defendem que as exigências reguladoras governamentais (Ministério da Saúde e Anvisa) seriam capazes de dar conta da garantia da boa qualidade dos serviços para os clientes/pacientes. A experiência internacional, entretanto, rebate esse argumento destacando que são insuficientes. Elas precisam ter suas deficiências compensadas por mecanismos meta-reguladores, como a acreditação.
O mercado nacional da assistência à saúde caracteriza-se por uma mistura de serviços públicos e privados, sendo estes com ou sem fins lucrativos. Isso cria um cenário que embaraça qualquer esforço de diferenciação exclusiva entre interesses voltados para a qualidade dos serviços e interesses econômicos. Entende-se que não há formas puras, ou seja, tanto o setor público quanto o privado dependem da variável econômico-financeira, conquanto as razões sejam distintas.
A análise da acreditação em hospitais públicos mostra um fato interessante. Essa metodologia é utilizada tanto como ferramenta de avaliação da qualidade dos serviços e da segurança do paciente, quanto como mecanismo de responsabilidade pública, uma vez que em princípio não existe a preocupação em ampliar mercado e convencer compradores de serviços de saúde. O compromisso fundamental dos serviços públicos de saúde concentra-se na prestação de uma assistência qualificada e segura que dignifica essas instituições e seus profissionais. O mesmo não se pode afirmar dos hospitais privados, com ou sem fins lucrativos, uma vez que atuam em um ambiente de concorrência – ainda que de baixa intensidade na realidade nacional – onde procuram vender os seus produtos/serviços. Nesse sentido a acreditação poderá ser utilizada como um instrumento de fortalecimento comercial, o que não se constitui um ato de tirania, mas uma particularidade dessas organizações. Aliás, um dos poucos sinais da existência de concorrência mercadológica entre as organizações de saúde tem sido o “efeito acreditação” observado em alguns mercados, ou seja, quando uma obtém a acreditação, outras rapidamente se mobilizam para alcançar essa condição, o que indica um empenho de resposta para neutralizar as forças de concorrência na área de atuação.
O funcionamento eficaz dos serviços de saúde implica um complexo e delicado alinhamento de vontades dos prestadores públicos e privados, operadoras de planos de saúde e utilizadores dos serviços, a fim de que seja preservado o interesse público, prestado um “bom atendimento” e não prejudique os clientes/pacientes. Para estes, seja serviço público ou privado, o que interessa é que o acesso ocorra sem demora excessiva, que o atendimento não cause dano adicional (mesmo com o propósito de ajudá-los) e não seja sem benefício, que o atendimento respeite e corresponda as suas preferências, necessidades e valores, e não varie em virtude de características pessoais (gênero, etnia, naturalidade ou status socioeconômico). Eles querem ter a confiança de que a assistência será humana, apoiada no conhecimento científico e no menor risco possível. Tudo isso pode ocorrer, indistintamente, em organizações públicas ou privadas, sendo que estas se diferenciam pelo fato dos clientes/pacientes supostamente possuírem a exclusividade de escolher onde desejam ser atendidos.
A acreditação, como um método de avaliação da qualidade médico-assistencial que outorga um selo de reputação às organizações de saúde, é passível de duplo sentido. Pode ser uma declaração do mais elevado compromisso público com a população, evidenciado nas organizações públicas, assim como pode ser utilizado como um ingrediente de comercialização dos produtos/serviços, o que se verifica de forma explícita nas organizações privadas. Estas, por natureza, possuem a difícil tarefa de articular, com precisão, a interdependência entre o compromisso público e a comercialização dos serviços, garantindo com isso a sobrevivência corporativa.
Do ponto de vista conceitual, é inconcebível que organizações acreditadas, públicas ou privadas, coloquem em risco o atendimento da clientela em benefício de ganhos econômicos diversos. Isso não apenas ofende a sociedade como rompe o compromisso social tácito de prestar uma assistência de saúde qualificada e segura.