A Responsabilidade dos Gestores com a Segurança do Paciente
É um truísmo que a assistência à saúde constitui-se em uma atividade potencialmente arriscada para os pacientes, profissionais e organizações de saúde, muito embora via de regra não se tenha a clara dimensão do potencial dos riscos envolvidos. Falhas na área da saúde são, por princípio, uma ameaça à integridade do paciente e isso pode resultar em dano, temporário ou permanente, ou mesmo em óbito (o que é uma catástrofe para os familiares do paciente, equipe de saúde e gestores).
A mídia tem noticiado situações ocorridas nos hospitais que assustam a população em geral: “idosa com fêmur esquerdo fraturado é operada do fêmur direito”; “paciente falece ao receber ar comprimido quando deveria ser oxigênio”; “paciente entra em coma após receber dosagem errada de medicação”, e assim por diante. Historicamente, as consequências dos cuidados médico-hospitalar têm sido creditadas com exclusividade aos médicos e enfermeiras. Os danos, temporários ou permanentes, causados aos pacientes pelas ações assistenciais estariam relacionados, de forma irrefutável, com a atuação desses profissionais. Assim sendo, é incomum gestores hospitalares discutirem taxas de infecção, quedas de pacientes, úlceras de pressão, cirurgia em lado errado, erros de medicação, demora no tratamento, e outras ocorrências semelhantes. Esses assuntos seriam questões reservadas aos médicos e enfermeiras.
É contraintuitivo conceber-se que diretores e gerentes de serviços de saúde sejam responsáveis pela qualidade do cuidado e a segurança dos pacientes. Isso porque a tradição hospitalar, hierárquica e autoritária, separou administração e assistência, considerando-as como áreas estanques. Caberia aos gestores envolverem-se com os aspectos financeiros, contábeis e as condições gerais das organizações de saúde, enquanto médicos e enfermeiras cumpririam a “indelegável” função assistencial. O que se sucedeu nos últimos anos foi uma transformação dessa visão dualista, principalmente devido a exposição da prevalência de incidentes assistenciais através da mídia e o aumento da complexidade dos serviços de saúde em vários aspectos, fatos que confirmaram o quanto as duas áreas são interdependentes.
O primeiro passo para a mudança da visão dualista deu-se no final da década de 1990, quando se percebeu que repetidas vezes as falhas e incidentes assistenciais aconteciam em função de rupturas nos processos assistenciais e administrativos. A abordagem tradicional admitia que médicos e enfermeiros bem treinados e conscienciosos não cometeriam falhas, e que os incidentes assistenciais derivariam de uma conduta incompetente. Por consequência, ponderava-se que a censura e a punição constituíam-se nos métodos apropriados e eficazes para motivá-los a serem “mais cuidadosos”.
Os estudos subsequentes demonstraram que as falhas e incidentes assistenciais ocorriam em proporção além do supostamente aceitável, e que pelo menos metade desses eventos poderiam ser impedidos. Associado a essa ideia identificou-se que “falhas ativas” empreendidas na “ponta do sistema” – onde os profissionais de saúde interagem com pacientes, outros profissionais, materiais medicamentos, equipamentos e instalações – provinham ou eram facilitadas por “condições latentes”. Estas encerravam defeitos embutidos nos sistemas – gestão, organização, políticas institucionais, treinamentos, materiais, equipamentos, etc. – que induziriam os profissionais da “ponta” a cometerem falhas e se envolverem em incidentes assistenciais.
O entendimento mais recente sobre segurança do paciente preconiza que os gestores são os profissionais que se encontram em melhor posição para modificar atitudes e práticas institucionais, podendo contribuir para o estabelecimento de uma cultura da segurança do paciente como um pré-requisito da assistência, e não como uma propriedade da atuação dedicada, desejável e valiosa, de médicos e enfermeiras.
Os gestores atentos à assistência segura, dentre vários aspectos, passaram a considerar como relevantes as seguintes providências:
1) Colocar questões de segurança do paciente na agenda das reuniões sistemáticas da direção e dos médicos.
2) Comprometer os gerentes em discussões sobre a segurança do paciente.
3) Compartilhar o desempenho da organização comparando com boas práticas de segurança do paciente.
4) Incluir, entre as prioridades nas práticas de contratação de pessoal, profissionais sensíveis à segurança do paciente.
5) Desenvolver programas educacionais de segurança do paciente para todos os colaboradores.
6) Realizar visitas periódicas aos locais de trabalho concentrando-se, entre outros assuntos, na segurança do paciente.
7) Disponibilizar recursos para o desenvolvimento de processos baseados em evidência que aumentem a segurança do paciente (por exemplo: equipes de resposta rápida, registros eletrônicos com apoio à decisão clínica, prescrição eletrônica, etc.).
8) Dar incentivos aos colaboradores que contribuem para a cultura da segurança do paciente.
A despeito das melhores intenções e esforços, os incidentes assistenciais acontecerão e poderão causar danos graves aos pacientes. Essas situações, no entanto, precisam ser manejadas com coragem e honestidade, associadas ao compromisso de identificar processos e sistemas deficientes e melhorá-los o mais rápido possível, a fim de fortalecer a segurança de todos – uma nova dimensão da área de cuidados de saúde.
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José
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Dr. Daniel Schneider
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Cristina Teti