Acreditação | 23 de junho de 2014

O Papel Possível do Governo na Acreditação de Organizações de Saúde

O Papel Possível do Governo na Acreditação de Organizações de Saúde

Em 1999, por iniciativa do Ministério da Saúde, foi implantado um programa nacional de acreditação de organizações de saúde. O governo, portanto, foi contundente para que houvesse no país um sistema nacional com o propósito de avaliar e incentivar a melhoria da qualidade e segurança dos serviços de saúde.

O apoio do governo, categórico na criação de uma organização nacional de acreditação, desapareceu no segundo momento, ou seja, no estágio de incentivo para que as organizações de saúde buscassem esse tipo de qualificação. Aliás, essa omissão tem levado ao surgimento de um ambiente em que as organizações de saúde mais preparadas (que habitualmente são as maiores) distanciam-se ainda mais daquelas que possuem limitadas condições de cumprirem os padrões indicados pela acreditação.

A acreditação, como uma avaliação externa voluntária dos serviços de saúde, possui quatro elementos principais: a) padrões de qualidade e segurança pré-estabelecidos; b) avaliações realizadas através de profissionais de saúde; c) processo de avaliação conduzido por uma instituição autônoma; d) incentivo ao desenvolvimento organizacional. O caráter voluntário, contudo, talvez seja o aspecto que mais claramente pode expressar a verdadeira determinação dos gestores em oferecerem serviços melhores para os clientes/pacientes.

O governo cumpre papel intransferível quando licencia serviços de saúde com base em exigências indispensáveis para o funcionamento. Corresponde a uma função protetora do estado em relação à população que utiliza esses serviços. Porém, isso não é suficiente.

A acreditação complementa as exigências governamentais obrigatórias. Primeiro, apoia ações de melhoria através de uma abordagem educativa. Segundo, estabelece níveis de qualificação, o que estimula a busca progressiva da melhoria. Finalmente, a condição obtida permite distinguir as organizações de saúde do ponto de vista da qualidade e segurança.  Supõe-se que, pela capacidade de medir esses dois componentes, a acreditação reduza – ainda que em ínfima extensão – a assimetria de mercado. Cabe lembrar que onde há pouca ou nenhuma informação sobre os serviços, os prestadores competem apenas por preço e não por qualidade, o que pode desfavorecer os clientes/pacientes.

A concorrência – comumente destacada como motivo para melhoria – é peculiarmente baixa entre os serviços de saúde. Isso só se modificará a partir do momento em que os clientes/pacientes e compradores de serviços de saúde tiverem acesso a mais informações sobre o que estão utilizando ou comprando. Supõe-se, portanto, que a acreditação tenha o potencial de reduzir custos de transação ao oferecer informações críveis sobre a qualidade e a segurança nas organizações de saúde, na medida em que os interessados podem efetuar escolhas mais racionais.

O governo brasileiro – principal comprador de serviços de saúde – pode dar uma contribuição definitiva para a elevação da qualidade e segurança no setor se utilizar a acreditação como critério de credenciamento dos serviços de saúde, base para o pagamento de serviços com valores diferenciados, ou efetuar o pagamento de maneira mais rápida. É, contudo, necessário estabelecer uma nova forma de alocação de recursos que estimule a melhoria.

Veja abaixo as funções que o governo pode executar para melhorar a qualidade e a segurança nas organizações de saúde.

Funções que o governo pode desempenhar para melhorar a qualidade e a segurança nas organizações de saúde.

1)     Apoiar o desenvolvimento organizacional.

2)     Subsidiar as organizações de saúde para que melhorem os serviços prestados.

3)     Aplicar o licenciamento com maior rigor e harmonizar essas normas com os com os padrões de acreditação.

4)     Incentivar a acreditação por parte dos serviços públicos próprios.

5)     Tornar a acreditação uma condição/prioridade para contratos com o setor público.

6)     Trabalhar com operadoras e seguradas de saúde para tornem a acreditação uma condição/prioridade para os contratos.

7)     Proporcionar outros benefícios para as organizações acreditadas, como pagamento simplificado, prioridade de relicenciamento, etc…

Essa lista de funções evidencia a força de transformação que o governo pode exercer na melhoria dos serviços de saúde. Como principal contratante, pode instituir duas medidas fundamentais: a) contratar, ou renovar contratos, apenas com os prestadores de serviços de saúde acreditados ou, no máximo, condicionar a contratação estipulando um tempo máximo para obter a acreditação; b) remunerar diferencialmente os serviços de saúde acreditados – vincular o pagamento dos serviços prestados à acreditação. Em um prazo de cinco anos essas duas decisões gerariam uma reviravolta na qualidade e segurança dos serviços de saúde no país.

No cenário nacional, onde a maioria dos hospitais que presta serviços aos beneficiários do SUS possui uma forte missão social, é improvável que ocorra uma procura espontânea pela acreditação, a menos que os custos de preparação sejam subsidiados ou haja algum tipo de incentivo externo para participarem desse processo. Se essas instituições, entretanto, necessitam de consideráveis recursos adicionais para cumprirem os requisitos de qualidade e segurança recomendados pela acreditação, é presumível que estejam muito abaixo dos padrões éticos e sociais aceitáveis.

No conjunto dos hospitais acreditados, onde se encontram instituições públicas e privadas, pouco mais de 3% alcançou essa condição após 15 anos de existência do programa nacional de acreditação. Essa realidade sugere que se não houver incentivos suficientemente fortes, a acreditação nacional tenderá a atrair os bons serviços que atendem clientelas diferenciadas, enquanto os beneficiários do SUS continuarão a receber cuidados em instituições predominantemente deficientes. De outra maneira, deve-se reconhecer o esforço de alguns hospitais públicos que, honrosamente, têm procurado a acreditação e dado uma extraordinária demonstração de compromisso público com a prestação de serviços qualificados e seguros.

O Ministério da Saúde, juntamente com os estados e municípios, desempenhará um papel valiosíssimo na elevação dos padrões dos serviços de saúde se associar as exigências obrigatórias do licenciamento às medidas de qualificação da gestão médico-assistencial preconizadas pela acreditação.

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