Qualidade Assistencial | 9 de dezembro de 2012

A Responsabilidade dos Gestores com a Segurança do Paciente

A Responsabilidade dos Gestores com a Segurança do Paciente

É um truísmo que a assistência à saúde constitui-se em uma atividade potencialmente arriscada para os pacientes, profissionais e organizações de saúde, muito embora via de regra não se tenha a clara dimensão do potencial dos riscos envolvidos. Falhas na área da saúde são, por princípio, uma ameaça à integridade do paciente e isso pode resultar em dano, temporário ou permanente, ou mesmo em óbito (o que é uma catástrofe para os familiares do paciente, equipe de saúde e gestores).

A mídia tem noticiado situações ocorridas nos hospitais que assustam a população em geral: “idosa com fêmur esquerdo fraturado é operada do fêmur direito”; “paciente falece ao receber ar comprimido quando deveria ser oxigênio”; “paciente entra em coma após receber dosagem errada de medicação”, e assim por diante. Historicamente, as consequências dos cuidados médico-hospitalar têm sido creditadas com exclusividade aos médicos e enfermeiras. Os danos, temporários ou permanentes, causados aos pacientes pelas ações assistenciais estariam relacionados, de forma irrefutável, com a atuação desses profissionais. Assim sendo, é incomum gestores hospitalares discutirem taxas de infecção, quedas de pacientes, úlceras de pressão, cirurgia em lado errado, erros de medicação, demora no tratamento, e outras ocorrências semelhantes. Esses assuntos seriam questões reservadas aos médicos e enfermeiras.

É contraintuitivo conceber-se que diretores e gerentes de serviços  de saúde sejam responsáveis pela qualidade do cuidado e a segurança dos pacientes. Isso porque a tradição hospitalar, hierárquica e autoritária, separou administração e assistência, considerando-as como áreas estanques. Caberia aos gestores envolverem-se com os aspectos financeiros, contábeis e as condições gerais das organizações de saúde, enquanto médicos e enfermeiras cumpririam a “indelegável” função assistencial. O que se sucedeu nos últimos anos foi uma transformação dessa visão dualista, principalmente devido a exposição da prevalência de incidentes assistenciais através da mídia e o aumento da complexidade dos serviços de saúde em vários aspectos, fatos que confirmaram o quanto as duas áreas são interdependentes.

O primeiro passo para a mudança da visão dualista deu-se no final da década de 1990, quando se percebeu que repetidas vezes as falhas e incidentes assistenciais aconteciam em função de rupturas nos processos assistenciais e administrativos. A abordagem tradicional admitia que médicos e enfermeiros bem treinados e conscienciosos não cometeriam falhas, e que os incidentes assistenciais derivariam de uma conduta incompetente. Por consequência, ponderava-se que a  censura e a punição constituíam-se nos métodos apropriados e eficazes para motivá-los a serem “mais cuidadosos”.

Os estudos subsequentes demonstraram que as falhas e incidentes assistenciais ocorriam em proporção além do supostamente aceitável, e que pelo menos metade desses eventos poderiam ser impedidos. Associado a essa ideia identificou-se que “falhas ativas” empreendidas na “ponta do sistema” – onde os profissionais de saúde interagem com pacientes, outros profissionais, materiais medicamentos, equipamentos e instalações –  provinham ou eram facilitadas por “condições latentes”. Estas encerravam defeitos embutidos nos sistemas – gestão, organização, políticas institucionais, treinamentos, materiais, equipamentos, etc. – que induziriam os profissionais da “ponta” a cometerem falhas e se envolverem em incidentes assistenciais.

O entendimento mais recente sobre segurança do paciente preconiza que os gestores são os profissionais que se encontram em melhor posição para modificar atitudes e práticas institucionais, podendo contribuir para o estabelecimento de uma cultura da segurança do paciente como um pré-requisito da assistência, e não como uma propriedade da atuação dedicada, desejável e valiosa, de médicos e enfermeiras.

Os gestores atentos à assistência segura, dentre vários aspectos, passaram a considerar como relevantes as seguintes providências:

1)    Colocar questões de segurança do paciente na agenda das reuniões sistemáticas da direção e dos médicos.

2)    Comprometer os gerentes em discussões sobre a segurança do paciente.

3)    Compartilhar o desempenho da organização comparando com boas práticas de segurança do paciente.

4)    Incluir, entre as prioridades nas práticas de contratação de pessoal, profissionais sensíveis à segurança do paciente.

5)    Desenvolver programas educacionais de segurança do paciente para todos os colaboradores.

6)    Realizar visitas periódicas aos locais de trabalho concentrando-se, entre outros assuntos, na segurança do paciente.

7)    Disponibilizar recursos para o desenvolvimento de processos baseados em evidência que aumentem a segurança do paciente (por exemplo: equipes de resposta rápida, registros eletrônicos com apoio à decisão clínica, prescrição eletrônica, etc.).

8)    Dar incentivos aos colaboradores que contribuem para a cultura da segurança do paciente.

A despeito das melhores intenções e esforços, os incidentes assistenciais acontecerão e poderão causar danos graves aos pacientes. Essas situações, no entanto, precisam ser manejadas com coragem e honestidade, associadas ao compromisso de identificar processos e sistemas deficientes e melhorá-los o mais rápido possível, a fim de fortalecer a segurança de todos – uma nova dimensão da área de cuidados de saúde.

  • José

    O dr. Quinto é reconhecido nacionalmente como ” expert ” no tema que aborda nesta sua intervenção no Portal. A busca pela segurança do paciente e pela melhoria contínua da qualidade nos serviços de saúde deve constituir verdadeira obsessão de todos os gestores.

  • Dr. Daniel Schneider

    O Dr. Antônio Quinto Neto é o pioneiro nesse assunto e através de suas aulas na turma de auditoria do IAHCS – POA me interesei pelo assunto e venho estudando esse assunto desde 2008. Surgiu o novo conceito de Auditor do risco assistencial e Segurança do paciente. Mas venho observando também que o medo que os gestores das grandes instituições tem em relação a esse assunto é impressionante. Parece que coloca os mesmos em pânico. Não ocorre abertura para a introdução desse assunto na nossa região de Passo Fundo – Planalto Médio. A única empresa que deu sinal positivo nesse sentido foi a Unimed Planalto Médio através de sua diretoria com uma visão mais visionária e progressista. Mas com certeza o caminho é longo e muito complexo, por que no sistema de saúde dependemos de muitas variáveis. Me parece que através das operadoras de saúde que são as reais interessadas em diminuir o evento adverso, ao contrário das instituições de sáude que lucram inclusive em cima do dano causada por elas mesmas. No momento que todas as operadoras e planos de saúde que patrocinam o sistema saúde se conscientizarem da força que tem e que com isso terão os seus custos reduzidos, daí então essa política de segurança do paciente crescerá sem precedentes.

    Dr. Daniel Schneider
    CRM: 18286
    cemps@razaoinfo.com.br

  • Cristina Teti

    muito interessante este ponto de vista

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