Sem categoria | 13 de março de 2018

Índice Chicabon

Índice Chicabon

Em 1990, os Laboratórios de Análises Clínicas do Rio Grande do Sul que realizavam atendimento ao Sistema Público (SUS) então vigente, ficaram quase seis meses sem pagamento. Evidentemente (não poderia ser de outra forma), os problemas financeiros se avolumaram e as soluções não eram encontradas.

A Secretaria Estadual da Saúde do RS, que seria a responsável em honrar os pagamentos, alegava que o sistema era novo e não havia ainda uma sincronia com o Ministério da Saúde. Este, por sua vez, afirmava que havia pouco tempo para as devidas atualizações, vinculadas a problemas do INAMPS (quem lembra?), cuja gestão teria sido transferida para lá há muito pouco tempo. Entretanto, as informações, além de nunca serem incisivas, quase sempre vinham de forma contraditória.

À época, eu era o presidente do Sindicato dos Laboratórios do Rio Grande do Sul (Sindilac) e, além de sentir o problema diretamente, era também o receptáculo das queixas, reclamações e lamentos – os mais justificados possíveis – de todos os nossos colegas.

Num determinado momento, a inviabilização tomou conta da situação e não houve outra alternativa a não ser a de parar o atendimento ao Sistema INAMPS/SUS em Porto Alegre. Alguns municípios do Interior, notadamente aqueles de maior dependência ao sistema público, também acompanharam o movimento.

Na época, foi publicada no jornal de maior circulação do RS uma nota, de página inteira, dirigida à população e à classe médica, em que era apresentado um histórico da situação de atraso de pagamentos e, principalmente, das baixas remunerações. O exemplo mais marcante era a comparação de que as principais dosagens em bioquímica tinham um preço muito assemelhado a um sorvete de palito dos mais simples. À época, esta comparação foi alvo de comentários, os mais variados possíveis, no meio jornalístico local. Passaram-se oito meses até que os pagamentos fossem totalmente normalizados.

Em 1994, ano de implantação do Plano Real, foi criada uma nova tabela de procedimentos – a primeira e única produzida na era SUS – para o setor laboratorial. Ao tomar conhecimento da mesma, a atitude inicial deste escriba foi ir à procura dos valores dos principais procedimentos em bioquímica. Eis que surgiu uma surpresa extremamente agradável: com o valor de uma glicemia seria possível adquirir 4,625 sorvetes de palito. Sem dúvidas, uma excepcional valorização dos nossos serviços.

Um pouco mais adiante, então diretor da SBAC (Sociedade Brasileira de Análises Clínicas), numa daquelas conversas de fim de reunião fiz a proposição aos nossos pares para criarmos algo comparável a uma situação tragicômica, em que pudessem ser comparados os valores dos exames a um produto de elevado consumo e, assim, de um modo quase lúdico, poder acompanhar a evolução dos preços dos exames remunerados pelo SUS.

Desta forma, foi criado o “Índice Chicabon” – nome sugerido pelas lembranças das coisas boas da infância e adolescência. Por volta do ano 2000, o índice chegou a 1,0. Portanto, para que pudéssemos adquirir um Chicabon, seria necessário o valor uma dosagem de glicose no sangue pela tabela SUS.

As coisas foram evoluindo em todos os sentidos. Os procedimentos laboratoriais cada vez mais exatos e precisos.  Equipamentos mais resolutivos, a cultura técnica dos nossos profissionais sempre crescente, cada vez mais aflorando o compromisso com a saúde pública e a ciência. Esta conjunção de fatores que tornaram o laboratório clínico o fator imutável para que 70% das decisões clínicas sejam tomadas por meio de testes laboratoriais.

Entrementes, o ministro da Saúde Ricardo Barros, certamente um excepcional administrador de obras, queixou-se da cultura de solicitação de exames no programa Roda Viva, da TV Cultura. O ministro disse que 80% dos exames de imagem são normais, que 50% dos procedimentos laboratoriais sequer são retirados e outros impropérios.

Imagina-se que na assessoria do ministro existam também profissionais de Saúde. Estes poderiam informá-lo que todos os exames, dentro dos limites da normalidade, significam um tratamento ou uma internação a menos. Podem sinalizar também que esses procedimentos devem ser incluídos em todo e qualquer processo de prevenção e que, pelas quantias ínfimas que o seu Ministério despende nesses exames, despesas de muito maior expressão financeira poderão ser evitadas. Assim funciona a medicina preventiva.

Ah, ia esquecendo. Normalmente, a época que utilizo para medir o “Índice Chicabon” é no verão, à beira da praia. Certamente por relembrar os bons tempos do passado. Porém, isso lamentavelmente perdeu a graça.

O índice agora é 0,23125. Portanto necessitamos de 4,32 glicemias para adquirir um Chicabon.

Uma severa radicalização deverá ser implantada. A troca do indicador. Quem sabe, a partir de agora o índice possa ser um caramelo, mas de boa qualidade. Aqueles que não colam nos dentes. Sugestões serão aceitas.

 

Irineu Grinberg

Ex Presidente da SBAC

Diretor de LabFarmConsult

irineugrinberg@gmail.com

COMENTE

  • Não será divulgado.

VEJA TAMBÉM