Gestão | 3 de junho de 2025

Autorização Prévia na Saúde Suplementar: Entre o Controle Necessário e a Barreira à Assistência

Autorização Prévia na Saúde Suplementar Entre o Controle Necessário e a Barreira à Assistência

A autorização prévia é um instrumento amplamente utilizado pelas operadoras de planos de saúde. Consiste em avaliar a solicitação de um atendimento assistencial antes da execução[1]. Na prática, significa que determinados procedimentos – alguns exames, cirurgias eletivas, internações e terapias continuadas – precisam ser previamente analisados e aprovados pelas operadoras antes de sua realização. Para os profissionais de saúde, essa exigência representa um ponto de tensão entre a autonomia clínica e as exigências administrativas do setor.

Síntese do papel da autorização prévia na saúde suplementar[2] 

·    Controle de custos e prevenção de abusos

As operadoras utilizam autorização prévia para evitar procedimentos desnecessários ou excessivos, auxiliando na manutenção da sustentabilidade financeira dos planos e na prevenção de fraudes.

·    Avaliação técnica

Antes de liberar procedimentos, as operadoras precisam avaliar os pedidos à luz das diretrizes clínicas existentes, da compatibilidade com a indicação médica e do estabelecido no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

·   Organização e logística

Alguns procedimentos precisam de preparação, reserva de leito ou insumos específicos. A autorização ajuda a planejar a logística entre operadoras, prestadores e pacientes.

·     Garantia de cobertura

Quando os procedimentos são aprovados, os beneficiários têm a segurança de que as OPS (Operadoras de Planos de Saúde) cobrirão os custos. Se forem negados, eles poderão recorrer com base nos direitos previstos pela ANS.

Justificativa técnica e econômica

A lógica da autorização prévia está relacionada ao controle de custos e à gestão racional dos recursos assistenciais. Em um sistema onde o excessivo uso de tecnologias, a fragmentação do cuidado e as fraudes representam riscos concretos à sustentabilidade, as operadoras precisam munir-se de filtros regulatórios.

A regulação do uso de procedimentos é uma prática comum em diversos sistemas de saúde, inclusive públicos. Quando bem aplicada, reduz ou até evita condutas desnecessárias, diminui riscos aos pacientes e preserva recursos para usos mais prioritários.

A realidade assistencial e os impactos sobre o cuidado

Apesar da justificativa técnica, a experiência dos profissionais de saúde mostra um lado peculiar: a autorização prévia muitas vezes se transforma em um obstáculo ao cuidado. Os prestadores reclamam de atrasos na liberação, negativas sem fundamentação adequada e exigência de documentação excessiva. Em contextos de urgência e emergência, a aplicação desse mecanismo de controle financeiro se constitui em uma distorção grosseira. Assim, esses eventos precisam ser analisados e corrigidos de comum acordo entre operadoras e prestadores, a fim de suplantar a irascível disputa que preserva as anormalidades e impede melhorias. Se não são emendados, comprometem o fluxo assistencial e geram desgaste entre OPS, médicos, estabelecimentos de saúde e pacientes.

Papel dos profissionais e a importância da regulação

É fundamental que os profissionais de saúde compreendam os critérios que regem a autorização prévia, conheçam as resoluções que estabelecem os prazos máximos para resposta[3] (que variam de 3 a 21 dias úteis, conforme o tipo de procedimento) e saibam os meios de contestação para eventual defesa dos pacientes e do exercício pleno da profissão médica. Cabe ressaltar que, não raro, os médicos desconhecem os prazos estipulados pela ANS, ou se conhecem, tentam reduzi-los utilizando argumentos, nem sempre convincentes, baseados nas peculiaridades dos pacientes.

Habitualmente os médicos resistem em documentar adequadamente suas solicitações com laudos objetivos, hipóteses diagnósticas consistentes e justificativas clínicas robustas. Essa conduta imprópria precisa ser superada através de medidas educativas, a fim de diminuir as chances de retrabalho, reprovação e possível judicialização.

Boas práticas para equilibrar a autorização prévia

Diante dos desafios impostos pelo uso excessivo ou desajustado da autorização prévia, algumas iniciativas podem ser adotadas pelas OPS para estimular um relacionamento mais eficiente e colaborativo com os prestadores, preservando o controle técnico, a segurança regulatória e a agilidade assistencial. Esses três fatores associados requerem conversas intensas e demoradas entre ambas as partes, dentro de um clima de consistente disposição para ajustar, conciliar e transigir.

1) Protocolos clínicos aceitos de forma consensual

A elaboração de protocolos assistenciais, com participação de ambas as partes, permite alinhar critérios clínicos, reduzir interpretações subjetivas e evitar negativas desnecessárias. O uso de diretrizes baseadas em evidência[4] e adaptadas à realidade da rede assistencial fortalece a transparência.

2) Digitalização e automatização do processo

Sistemas integrados entre operadoras e prestadores, com plataformas digitais de solicitação e autorização, agilizam fluxos e reduzem falhas. Alguns procedimentos, quando solicitados dentro de parâmetros definidos, podem ter liberação automática, sem necessidade de análise manual.

 3) Liberação automática para prestadores qualificados

Operadoras que mantêm listas de prestadores com bom histórico técnico podem aplicar critérios de liberação diferenciada para esses parceiros. Isso reduz a carga administrativa e incentiva a qualidade documental e clínica.

 4) Qualificação técnica da solicitação

Tradicionalmente, a formação médica é voltada para o cuidado dos pacientes e dá pouca importância aos aspectos administrativo-financeiros. Por conta disso, é apropriado capacitar médicos e equipes administrativas na elaboração de solicitações completas, com hipóteses diagnósticas claras e embasamento clínico. Isso aumenta a taxa de aprovação e reduz o retrabalho, porquanto muitas negativas decorrem mais da documentação falha do que da discordância técnica.

 5) Canais diretos de interlocução

A comunicação direta entre prestadores e operadoras de planos de saúde é essencial para o bom funcionamento do sistema[5]. Ela pode ser facilitada através de plataformas digitais específicas, plataformas de gestão de rede credenciada, e-mail, telefone e, em alguns casos, reuniões presenciais[6].

A disponibilidade de meios de comunicação direta entre prestadores e operadoras amiúde resulta no seguinte:

– Fortalece a relação entre as duas partes, criando um ambiente de confiança e colaboração;


– Contribui para a melhoria da qualidade dos serviços prestados;


– Permite uma compreensão mais clara das necessidades dos pacientes, o que leva a um atendimento mais personalizado e eficiente.

6) Auditoria colaborativa

A auditoria colaborativa é um processo de avaliação que vai além da simples detecção de erros e aplicação de penalidades. Seu foco principal é a melhoria contínua dos processos e resultados, promovendo uma relação mais construtiva entre auditores e profissionais auditados. Em vez de atuar apenas como fiscalizadores, os auditores colaborativos se posicionam como parceiros técnicos. Identificam falhas, propõem soluções, compartilham boas práticas e ajudam a implementar mudanças que melhorem a qualidade da assistência e a eficiência dos serviços. Essa abordagem reduz o medo e a resistência por parte das equipes auditadas, robustece a relação técnica, gera engajamento, assim como favorece um ambiente de aprendizado e confiança. Por conseguinte, tem-se maior adesão às recomendações e, sobretudo, resultados sustentáveis para o sistema de saúde.

Todas as iniciativas mencionadas subentendem uma atitude proativa de cooperação entre OPS e prestadores. Isso requer um estado de espírito favorável e um grau de confiança que não é usual no âmbito da saúde suplementar.

Conclusão

A autorização prévia é um instrumento legítimo de gestão em saúde suplementar, desde que utilizada com equilíbrio, transparência e base técnica. O problema surge quando esse mecanismo é distorcido, passando de filtro clínico para barreira sistemática ao atendimento. É nesse ponto que os profissionais de saúde precisam se posicionar com conhecimento e assertividade, defendendo a autonomia médica e, principalmente, o direito do paciente ao cuidado oportuno e adequado.


[1] Brasil. Ministério da Saúde. Glossário temático: saúde suplementar / Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Brasília:  Ministério da Saúde, 3ª. edição, 2017. 144 p.
[2] DRG Brasil. Autorização prévia: critérios que as operadoras de planos de saúde devem utilizar. 23/mai/2024. https://www.drgbrasil.com.br/valoremsaude/autorizacao-previa/.
[3] Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa ANS nº 566, de 29 de dezembro de 2022. Dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de plano privado de assistência à saúde. https://bvs.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ans/2023/res0566_02_01_2023.html.
[4] São recomendações que visam otimizar o cuidado prestado ao paciente, as quais devem ser avaliadas periodicamente sempre tendo em conta os riscos e benefícios em relação a alternativas disponíveis.
[5] Silva, R; Santos, J; Cavalcanti, M; Fossati, P. Comunicação entre prestadores e operadoras de saúde:  um estudo de caso. Cadernos de Ensino e Pesquisa em Saúde, Porto Alegre, v.  1, n. 1, p. 200-225, 2021. https://revista.ghc.com.br/index.php/cadernosdeensinoepesquisa/article/view/33/20.
[6] Ibidem.

 

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