Gestão | 24 de maio de 2025

Negociação de Preços e Critérios de Reajuste entre Operadoras de Planos e Prestadores de Serviços de Saúde

Negociação de Preços e Critérios de Reajuste entre Operadoras de Planos e Prestadores de Serviços de Saúde

O mercado de serviços de saúde se distingue dos demais setores da economia por possuir uma demanda inelástica (a quantidade procurada por um bem ou serviço não muda muito mesmo que o preço aumente ou diminua) e uma oferta indutora da procura (os prestadores de serviços de saúde influenciam ou aumentam a procura pelos seus próprios serviços, muitas vezes sem que haja uma real necessidade clínica), além da presença de informações assimétricas (uma parte detém mais informação que a outra, podendo gerar vantagem apenas para um dos lados) e externalidades (uma transação de mercado afeta outras partes além das envolvidas na transação), são fatores que não estimulam o predomínio de mecanismos de mercado[1]. Ou seja, é necessário que haja uma regulação consistente para que a saúde suplementar seja bem-sucedida. No caso brasileiro, ela se tornou indispensável para o Estado que, indiscutivelmente, não tem como suportar a incorporação dos gastos desse setor no orçamento da União[2].

As relações entre Operadoras de Planos de Saúde (OPS) e prestadores sempre foram e continuarão sendo tensas, rudes e aflitivas em algum grau. São muitos fatores associados que criam um ambiente de múltiplas variáveis e grande complexidade. Dentre os desafios mais destacados na relação entre OPS e prestadores de serviços de saúde se encontram a negociação de preços e os reajustes.

As OPS, que os beneficiários contratam para assegurar cuidados de saúde junto a rede de prestadores de serviços (médicos, hospitais, clínicas, laboratórios de análises clínicas e outros), querem conter custos, enquanto os prestadores querem remuneração justa[3] e atualizações compatíveis com a inflação médica que cresce desafiadoramente mais rápido que a inflação geral[4].

A negociação de preços, um dos temas mais controvertidos pode ser analisada a partir de seis pontos: assimetria de poder, critérios de reajuste, periodicidade e prazos, modelos de remuneração, judicialização das negociações e implicações nos beneficiários. Eis uma apresentação rápida de cada um desses itens.

1) Assimetria de poder

As grandes OPS[5] exercem significativa influência nas negociações com hospitais, clínicas, laboratórios e demais prestadores de serviços de saúde. Esse poder de barganha deriva de uma combinação fatores estruturais e estratégicos os quais são sucintamente descritos a seguir.

A – Escala de operação e volume de beneficiários

Grandes operadoras concentram milhares de vidas em suas carteiras, oferecendo aos prestadores acesso a um volume expressivo de pacientes. Esse fator cria dependência econômica e reduz o poder de negociação dos prestadores.


B – Capacidade de seleção e credenciamento

Operadoras de grande porte estruturam redes de prestadores de forma seletiva, privilegiando a qualidade, custo e capacidade de atendimento. Prestadores não credenciados ficam em posição de desvantagem competitiva no mercado.


C – Poder de definição de preços e condições comerciais

O volume de beneficiários permite às operadoras imporem tabelas de remuneração mais baixas, limitar índices de reajuste, estabelecer pacotes de atendimento e adotar formas alternativas de remuneração dos serviços prestados.


D – Imposição de protocolos de qualidade e eficiência

Programas de qualidade, auditoria e gestão de resultados tornam-se instrumentos de controle da prestação de serviços, aumentando a exigência de compliance dos prestadores e vinculando parte da remuneração a indicadores de desempenho.


E – Pressão por eficiência e redução de custos

Em um ambiente de forte competição e margens reduzidas, as operadoras transferem a pressão por eficiência para os prestadores, exigindo otimização de processos, melhoria de indicadores clínicos e redução de desperdícios. 

 Q1

2) Critérios de reajuste

Inexiste um índice obrigatório para reajuste nos contratos entre OPS e prestadores. Discricionariamente, O IGP-M e o IPCA são usados em alguns casos, mas a inflação médica (que mede o custo de insumos, tecnologia e mão de obra na saúde) habitualmente é duas a três vezes maior que a inflação geral.[6] Como regra, as OPS propõem reajustes que não cobrem o aumento real dos custos.

Q2

O critério de reajuste entre OPS e prestadores de serviços de saúde vai além de uma simples questão financeira, uma vez que ele afeta a qualidade do atendimento, a competitividade do mercado e a sustentabilidade dos serviços prestados.

3) Periodicidade e prazos

Reajustes anuais são o padrão, mas atrasos são frequentes. Algumas operadoras postergam negociações, prorrogam contratos sem atualização de valores ou criam barreiras administrativas para alongar o processo.

Q3

 A periodicidade e o prazo de pagamento praticados pelas operadoras são fatores críticos para a sustentabilidade financeira dos prestadores e, consequentemente, para a qualidade dos serviços de saúde entregues aos beneficiários. A incerteza e o atraso nos pagamentos comprometem a confiança dos prestadores e se tornam arredios a pedidos extraordinários. Por outro lado, garantir pagamentos ágeis e previsíveis fortalece as redes de prestadores e aumenta a competitividade da operadora no mercado.

4) Modelos de remuneração

As formas de remuneração se constituem em uma matéria abstrusa na medida em que os prestadores estão habituados ao pagamento por serviço – forma tradicional de remuneração que gera risco de aumento de cuidados e, consequentemente, aumento de custos para as OPS. Os pacotes assistenciais (preço fixo do cuidado prestado) e a capitação (valor fixo mensal por paciente da OPS, independentemente da utilização) são maneiras de pagamento que estão sendo aplicadas em maior ou menor proporção. Cada uma delas produz impactos diferentes no risco financeiro e na previsibilidade de receita dos prestadores.

Impacto estratégico dos modelos de remuneração

A evolução dos modelos de remuneração altera o papel dos prestadores que de meros executores de serviços passas a gerir a saúde e resultados. Os que se adaptam, ganham competitividade e espaço, enquanto os que resistem, perdem relevância e receita.

5) Judicialização das negociações

Quando não há acordo com as OPS, alguns prestadores recorrem à Justiça para garantir reajustes, alegando cláusulas abusivas ou desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

 Q5

A judicialização corrói a eficiência, aumenta custos, compromete a capacidade de inovação e enfraquece a sustentabilidade de todo o sistema de saúde suplementar. Estratégias de prevenção de conflitos e de resolução extrajudicial são iniciativas que podem resguardar o valor dos contratos e a estabilidade do mercado.

6)  Implicações nos beneficiários

Por peculiaridades socioeconômico-culturais do país, os impasses ou negociações malsucedidas entre OPS e prestadores de serviços de saúde levam ao descumprimento de cláusulas contratuais, como a cobrança complementar dos beneficiários de planos de saúde. Embora a maioria dos prestadores ameace com o descredenciamento, o mais frequente é denegrir a imagem das OPS, restringir atendimentos em áreas de menor ganho econômico e cobrar dos beneficiários. Essa conduta afeta a rede assistencial na oferta de serviços e a continuidade de tratamento dos beneficiários, além de usualmente aumentar o ruído nos beneficiários e na mídia.

Q7

Conclusão

A negociação de preços e reajustes entre operadoras de planos de saúde e prestadores é marcada por uma relação assimétrica onde o custo justo e a cooperação desaparecem. As grandes OPS, alavancadas pelo volume de vidas, poder de rede e capacidade de gestão de custos, impõem condições comerciais que visam a preservação de suas margens e o controle de despesas assistenciais. O relacionamento é ríspido e, na maioria das vezes, intransigente. Resta aos prestadores, com base na sua relevância estratégica na rede das OPS (qualidade, diferenciação, capacidade de atendimento e poder de atração de pacientes), negociar o quanto pode. Em um cenário de crescente pressão por eficiência, há uma inclinação para que as negociações se tornem cada vez mais duras, utilizando indicadores de desempenho, produtividade e valor da entrega, substituindo progressivamente o modelo baseado em volume.


[1] Culyer, D; Zeckhauser, R. The anatomy of health insurance. In: Culyer, A; Newhouse, J. (Eds.). Handbook of Health Economics, Amsterdam: North Holland Press, v. 1A, 2000.
[2] Ziroldo, R; Gimenes, R; Júnior, C. A importância da Saúde Suplementar na demanda da prestação dos serviços assistenciais no Brasil. O Mundo da Saúde, São Paulo, 2013; 37 (2): 216-221.
[3] Uma remuneração justa e equilibrada significa cobrir os custos reais do atendimento prestado (profissionais de saúde, infraestrutura física, medicamentos, materiais, equipamentos, etc.), garantir margem mínima de sustentabilidade (não operar no prejuízo), refletir a complexidade e a qualidade do serviço executado e acompanhar a inflação médica e a evolução dos custos do setor saúde. Além disso, é oportuno levar em consideração a experiência e especialização dos profissionais (os quais devem ser remunerados de acordo com seus anos de estudo e treinamento), carga de trabalho, bem como a compensação por complexidade e demanda dos serviços prestados (estabelecimentos de saúde de alta complexidade e emergências). Também é relevante considerar áreas com escassez de profissionais, o que pode justificar remunerações mais elevadas.
[4] Lara, N. VCMH/IESS – Variação de custos médico-hospitalares. Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, mar/2024.  https://www.iess.org.br/index.php/vcmh/31o-vcmhiess.
[5] OPS com mais de 100.000 beneficiários (ANS).
[6] Lara, N. VCMH/IESS – Variação de custos médico-hospitalares. Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, mar/2024.  https://www.iess.org.br/index.php/vcmh/31o-vcmhiess.

 

 

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