O preço da desconfiança no relacionamento entre operadoras de Saúde e prestadores
Custos fixos de transação, glosas, sistema de remuneração complexo, ineficiência e, consequentemente, paciente em segundo plano são alguns dos reflexos da falta de transparência nessa relação
O principal objetivo de uma organização de Saúde deve sempre ser a qualidade e a segurança da assistência ao paciente. Questões financeiras e de resultado não podem, jamais, ser mais importantes do que cuidar de vidas. Os resultados econômico-financeiros devem ser a consequência natural da relação entre os players e do modelo de gestão que adotam. Assim, em uma visão sistêmica, os processos que envolvem os aspectos comerciais, assistenciais e econômicos devem estar protegidos pela confiança e por estratégias que impactam no crescimento do setor.
O que se vê no Brasil é uma dificuldade latente de relacionamento entre as operadoras de Saúde e os prestadores de serviço, em especial hospitais, que desconfiam um do outro. O preço disso são os infindáveis custos fixos do complexo sistema de transação, os altos índices de glosas, a demora para o recebimento pelos serviços prestados e, consequentemente, os impactos dessa situação que terminam no atendimento dos pacientes. A raiz do problema é que esses dois importantes agentes do sistema de Saúde desenvolveram uma relação fundamentada nos aspectos operacionais e assumiram posições antagônicas. São estruturas que se chocam diante de objetivos e posicionamentos diferentes. A estratégia fica refém da operação.
Os motivos apontados por um e por outro são variados. As operadoras de Saúde afirmam que médicos pedem procedimentos, exames, medicamentos e materiais que não são necessários, mas, por outro lado, praticam preços defasados, e realizam glosas, criando uma espécie de compensação pelas perdas alegadas. Enquanto isso, a maioria dos hospitais, que ainda atua no modelo fee for service, recebe pela ineficiência dos seus processos, incapacidade do modelo de gerenciamento e instabilidade de construir uma estrutura de racionalização de recursos com o envolvimento efetivo dos médicos. Na prática, até investem em Saúde digital, com sistemas de gestão hospitalar e outras ferramentas mais eficazes, mas sem a efetiva participação das pessoas, os resultados esperados não aparecem.
O nível de desconfiança é tão grande que cria um cenário desastroso no qual ambas as partes acham que seu negócio é melhor e mais importante do que o outro. Acreditam tanto que os hospitais passaram a ter planos de Saúde e as operadoras passaram a ter hospitais. E, enquanto isso, as grandes questões estratégicas de mercado, de relacionamento comercial e de modelos assistenciais que privilegiem a Saúde ficam sem discussão sistêmica e, por conseguinte, sem respostas.
Parece difícil resolver tantos problemas, mas não deveria. A tecnologia está aí para promover uma relação mais transparente, pautada por dados confiáveis e pela integração dos sistemas de gestão. Com isso, fica muito mais difícil questionar o uso de um determinado material, quando ele é bem justificado pelo médico, por meio de protocolos clínicos e medicina baseada em evidência. Também é mais fácil acompanhar as minúcias contratuais de cada plano, evitando, assim, procedimentos que não estão acordados.
Mas somente a tecnologia não é suficiente. O modelo de pagamento por performance tem de sair das mesas de reuniões e dos palcos de eventos e se tornar realidade. Para mudar a forma de remuneração, o primeiro passo é qualificar a gestão. Não há espaço para o amadorismo e a ineficiência dentro desse modelo. Nem para a desconfiança.
Com tecnologia, gestão e também engajamento dos colaboradores, resta às operadoras de Saúde e aos prestadores de serviço se unirem em busca de iniciativas que melhorem essa relação, sempre com o paciente no foco dos negócios. Dessa forma, a qualidade da assistência ganha dimensão sustentada por um relacionamento comercial e por resultados econômicos sadios.
A confiança e o raciocínio estratégico são capazes de proporcionar a criação conjunta de um novo sistema de Saúde, no qual o foco seja, de fato, a saúde e não mais a doença. Um sistema que possa garantir os resultados assistências e econômicos e ampliar a participação da Saúde Suplementar junto à população.
Embora não seja um convite original, vamos começar a intensificar este movimento de confiança?
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