Gestão e Qualidade | 11 de junho de 2020

Alceu Alves, Fernando Torelly e Francisco Balestrin debatem papel do gestor hospitalar em tempos de pandemia

Declarações fortes marcam webinar da MERITHU Consultoria
Alceu Alves, Fernando Torelly e Francisco Balestrin debatem papel do gestor hospitalar em tempos de pandemia_

A MERITHU Consultoria promoveu, na terça-feira (9), a Webinar Inovação na saúde pós-pandemia: o papel do gestor hospitalar. O evento teve mediação do CEO da MERITHU, Eduardo Baltar e da especialista em saúde, Priscila Nogueira. A atividade contou com a participação do vice-presidente da MVAlceu Alves da Silva; do presidente do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs), Francisco Balestrin; e do CEO do Hospital do Coração (HCor) e conselheiro da ANAHP, Fernando Torelly. Os convidados falaram sobre o período de pandemia e projeções para o momento de pós-pandemia. Confira os principais assuntos abordados pelos participantes na Webinar.


ALCEU ALVES DA SILVA

Desafios 

Para o vice-presidente da MV, antes da pandemia da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus) já se apresentava ao setor da saúde uma agenda de desafios importante e complexa. Para ele, a pandemia poderá trazer uma velocidade maior nas respostas que necessitam ser dadas aos desafios impostos.

“Eu entendo que, depois da pandemia, a área da saúde precisa sair com uma grande proposta de reconstrução do setor. A pandemia apenas expôs as nossas ineficiências, de um sistema de saúde maravilhoso dentro dos seus princípios – eu costumo dizer “que sorte que temos o SUS, mas que azar que tratamos tão mal aquilo que é extremamente bom. É impossível trabalhar com um sistema tão subfinanciado como o SUS e querer que ele produza o que há de melhor. Esse é um ponto fundamental, precisamos ter uma proposta”, disse.

Para Alceu, o momento é de reforçar as discussões entre as parcerias dos setores público e privado. “Praticamente 70% dos atendimentos pelo SUS são feitos pelo setor privado e filantrópico, mas ele também sofre do mesmo subfinanciamento. Quando nós contrapomos essa realidade com aquilo que é feito pela administração direta, nos níveis municipal, estadual e federal, observamos que o custo é oito vezes a Tabela SUS, enquanto que quando é feito pelos filantrópicos é o preço de duas Tabela SUS”, ponderou.

Alceu

Telemedicina

Durante a pandemia, a telemedicina surge como uma das principais novidades no setor da saúde. “O hospital não será mais o centro do sistema. Eles não serão mais acessados naquela volúpia de ‘todo mundo corre para a Emergência’. Teremos um outro tipo de acesso, a telemedicina vai facilitar enormemente isso. E isso corrige uma ineficiência que temos há muito tempo no sistema de saúde, que nos criamos ouvindo que de 70 a 80% de quem estava em Emergência não era Emergência. Iam para a Emergência porque não havia opção, agora haverá”, analisou.

Além disso, o vice-presidente da MV acredita que irão se impor como novidades a questão da saúde populacional, autoconsciência coletiva sobre a própria saúde, com aplicativos. Para ele, a saúde digital ganhará cada vez mais força, pois “a pandemia vai afrouxar as resistências existentes”.

Formação de redes

Alceu analisa que se fortalecerá a criação de redes, “muitos hospitais privados vão entrar em crise e vai ficar mais fácil adquiri-los”. Para isso, é necessário a união de atores do sistema de saúde em prol da sustentabilidade, com ações efetivas e rápidas para gerenciar os hospitais neste momento de crise.

A saúde corporativa é outro ponto fundamental de mudança, de acordo com o vice-presidente do MV. “É um conceito novo, de tratar a saúde das pessoas dentro da sua empresa. É ter um compromisso por parte da empresa em fazer uma manifestação clara de que ela não gosta de funcionários que não cuidam de si. Quem não cuida de si dificilmente vai cuidar bem das coisas da empresa”, ponderou.

Modelos de remuneração: hospitais terão que sair da zona de conforto

“Os hospitais terão que sair de sua zona de conforto, de trabalhar em um sistema de remuneração onde todas as suas ineficiências são pagas. A necessidade de mudança de modelo de remuneração vai ser absolutamente naturalizada. E o desfecho e o valor que está no desfecho vai ser um ponto fundamental no processo de remuneração. Os hospitais que não entenderem isso vão correr um risco seríssimo”, analisou Alceu.



Sobre liderança, Alceu acrescentou que gestões ineficientes e a falta de liderança na política nacional são fatores agravantes para a crise atual.

Entidades representativas e linhas de crédito para hospitais

Questionado sobre estratégias das instituições para a construção de uma rede de saúde independente, Alceu voltou a salientar que a cadeia de saúde precisa observar os problemas do setor, principalmente em relação ao subfinanciamento e relações cada vez mais precárias de atendimentos com os pacientes. Para ele, as entidades representativas deverão ser um ator fundamental na transformação do sistema de saúde.

“Está na hora das entidades representativas voltarem armadas desse momento e dizerem: Querem diferente do que sempre foi? Então, terá que ser assim, nessas condições. E essas condições dizem respeito a linhas de crédito específicas, para que os hospitais possam ter lideranças, tecnologias e recursos humanos adequados”, disse.

Relação dos setores Público e Privado

O vice-presidente da MV pontuou como acredita que deva ser a relação entre setores público e privado da saúde a a partir das evidências que a pandemia escancarou. “Acho que é fundamental que tenhamos uma proposta de assumir a ineficiência que existe no setor público. E que o setor público seja, cada vez mais, especializado em avaliar a qualidade da assistência que o setor privado, cumprindo a política pública, é capaz de fornecer ao cidadão. Com isso, teríamos mais liberdade, produtividade, a população teria mais acesso e teríamos uma situação mais adequada enquanto setor”, explicou.


FERNANDO TORELLY

Segunda onda: “pacientes não Covid”

Torelly analisa que, após uma “primeira onda” imposta pela pandemia, com uma nova doença que alterou profundamente a realidade do HCor a partir de março, surgiu nos meses seguintes uma “segunda onda”, da crescente ida de pacientes não Covid que não foram cuidados adequadamente nos últimos 90 dias, e agora estão indo ao hospital com severas complicações.

Ele explica que um grande desafio foi organizar um fluxo exclusivo para pacientes Covid (em uma área laranja) distinta de pacientes não Covid (área verde). Todos os pacientes que entram na instituição realizam teste para Covid-19.

Perda de receita: “saúde baseada na sobrevivência”

Torelly ressalta que a pandemia trouxe uma grande perda de receita para a instituição: em março, de 20%; em abril, 40%; em maio, de 40%, e previsão de 25% para junho. “Significa que já perdemos um mês e um quarto, e até a retomada total teremos quase dois faturamentos [de perda] de receita sem nenhuma redução de custo. As instituições de saúde terão de se reinventar no ponto de vista da eficiência. É tudo aquilo que o Alceu falou: não temos a opção de ser ineficiente. Muitas instituições demoraram muito para se tornaram eficientes. Agora, não é mais saúde baseada em valor, é saúde baseada na sobrevivência”, enfatizou.

Novo padrão de segurança: gestão em rede

“O modelo de gestão mudou. Não é mais o organograma que está operando no hospital, é a gestão em rede, onde cada um é o dono de sua área. O não cumprimento de um padrão de segurança dentro de um hospital é prejudicial e pode contaminar os profissionais de saúde. A organização, em termos de segurança, mudou radicalmente. Todos são responsáveis pela manutenção obsessiva do padrão de segurança”, pontuou. 

Torelly explica que hoje, ao chegar no hospital, há um rígido protocolo de segurança para os hospitais: as  temperaturas corpóreas são medidas, o uso de máscara é obrigatório, há álcool gel distribuído para todos utilizarem. “Cada profissional e cada líder está tendo que assumir um papel diferente dentro da organização. A hierarquia foi substituída por uma grande rede de profissionais comprometidos em fazer melhor o seu trabalho. Isso é uma mudança organizacional bem importante. O líder de saúde terá que tomar uma decisão: ele não poderá aceitar nada diferente da melhor prática em termos de segurança”, ressaltou.

torelly

“Hospital não será mais um shopping”

“Hospital não será mais um shopping, onde as pessoas iam ‘passear no hospital’. Agora, será o local que as pessoas irão se precisarem de um atendimento para casos graves”, disse. O CEO aponta que algumas áreas não irão retomar, porque serão substituídas por teleatendimento, ou por unidades ambulatoriais. Segundo Torelly, os hospitais serão centros de cuidados intensivos, proritariamente para casos graves e complexos, e assim, serão visualizados, cada vez mais. A telemedicina, veio para ficar.

Torelly acredita que haverá uma mudança no modelo de negócio, de liderança, com um outro modelo de gestão, onde todos terão um nível de comprometimento muito maior. “Um novo modelo de solidariedade dentro da cadeia produtiva da saúde, porque teremos que nos aproximar para resolver os problemas que historicamente colocamos em pauta, mas que não evoluem”, explicou.

Torelly ressaltou, que na crise, foi possível ver quem é seu parceiro e quem não é. “Algumas operadores me ligaram e me perguntaram como poderia ajudar. Outras se omitiram”, disse.

Liderança durante a pandemia 

O CEO explica que, desde o início da pandemia, internamente foi inserido um novo modelo de liderança. “Decidimos pensar e agir como uma startup, com planejamentos e decisões rápidas”, disse Torelly, explicando que as mudanças foram tão rápidas e profundas que exigiram respostas imediatas dos líderes, assim como muita troca de ideias, inciativas colaborativas e criatividade.

4 milhões de beneficiários a menos

O CEO lembra que, atualmente, 80% dos beneficiários de planos de saúde no Brasil são pessoas que trabalham em empresas. De acordo com Torelly, com o aumento do desemprego projetado (a taxa pode chegar a 16%), certamente haverá uma redução no número de beneficiários (ele aponta projeção de 4 milhões a menos de beneficiários), trazendo um forte impacto econômico.



“Haverá pessoas que vão perder o plano de saúde e outras que irão fazer um downgrade para um plano de menor valor. A operadora está tendo uma sinistralidade menor, mas como as empresas estão com dificuldade de pagar os planos coletivos, está ocorrendo também inadimplência. A operadora vai ter dificuldade de pagar o hospital. Já falei para alguns presidentes de operadoras: O hospital está se tornando um grande pronto socorro, com muitos doentes em UTI, em virtude do sub cuidado que está sendo feito durante a pandemia. Isto pode gerar para as operadoras um aumento de sinistralidade nos próximos meses. Elas [operadoras] têm que estar preparadas para isso”, alertou. 

Integração: “chegou a hora de entrarmos, todos juntos, em um novo momento de mercado”

Torelly voltou a alertar sobre a segunda onda e suas consequências. Nos próximos meses, poderá ocorrer o colapso de toda a cadeia produtiva da saúde. Estão aparecendo, nos hospitais, pessoas sem Covid mas com doenças agravadas. Torelly diz que o receio de as pessoas irem ao hospital, tem gerado um demanda reprimida que será sentida logo adiante. O executivo do HCor disse que o caminho é pensar em novo momento de mercado, mais integrado e colaborativo.

“Se não trabalharmos integrados, em rede, de uma forma eficiente e competente, corremos o risco de muitas organizações, tanto operadoras quanto hospitais, não sobreviverem no período de 2020/21, o que nos motiva a ser um pouquinho mais generoso, acabar com as vaidades e efetivamente formar grandes redes de cooperação, de troca de experiência”, disse. Pela necessidade do momento e pela crise que se já está instalada, Torelly defende que “chegou a hora de entrarmos, todos juntos, em um novo momento de mercado.”


FRANCISCO BALESTRIN

Lideranças durante a pandemia

Para Balestrin, o momento atual exige que as diferentes características de líderes estejam presentes e “se revezem”. “O Fernando [Torelly], por exemplo, é o executivo ideal para esse momento: ele é o executivo de choque, que vai, analisa, que toma ações rápidas, que define, que faz a coisa acontecer. É isso que precisam. São os chamados generais de campo. Porque se não for assim, as instituições que eles estão à frente vão sofrer com esse momento”, disse. 

O presidente do CBEXs também afirmou que os líderes, num segundo momento, deverão se debruçar em estratégias para o futuro, adaptando-se às transformações ocorridas durante a pandemia.Ele aponta que o líder terá que saber lidar com o período de crise econômica que está ocorrendo nos hospitais, com perda de receitas e aumento de despesas.

“Compromisso com a verdade”

“A liderança precisa ter princípios básicos, principalmente compromisso com a verdade, o exemplo, transparência e a resiliência são fundamentais. Outra qualidade muito importante no momento é a integridade. Às vezes não percebemos integridade em líderes, principalmente de instituições que, ao se ver em situações como essa atual, procuram primeiro as suas soluções, para depois pensar em soluções coletivas”, afirmou.

balestrin

“Catarata” a ser tratada

O presidente do CBEXs enfatizou que temos “uma catarata” como problema de saúde no país a ser resolvido. “Temos uma catarata social, no olho direito, e ideológica, no olho esquerdo. Precisamos tratar disso, senão não vamos resolver nossos problemas de saúde no nosso país”, disse.



Balestrin aponta que a pandemia expôs uma crise da globalização. “A vinda do vírus pro Brasil é fruto da globalização, veio de avião, pelas elites”. O CEO do CBEXs ainda salienta que a crise da globalização leva à outra crise, do multilateralismo, com países não se integrando durante a crise e, ao contrário, isolando-se para resolver apenas seus problemas. Em contraponto, Balestrin aponta que foi reforçada as ações de solidariedade entre as pessoas.

Estrutura hospitalar precarizada

Balestrin lamentou que a saúde seja tema potencializado apenas em período eleitoral, apontando que esse descaso precariza a estrutura hospitalar. “Quantos hospitais estão fechados no nosso país? Precisava fazer hospitais de campanha? Ou bastava fazer esses hospitais funcionarem?”, questionou. A saúde precisa passar a ser um assunto importante para os cidadãos no dia-a-dia, de acordo com o presidente do CBEXs.

Operadoras de planos de saúde pouco solidárias

O presidente do CBEXs enfatiza que, com a grande maioria dos hospitais, as operadoras de planos de saúde não foram solidárias. “Elas não entenderam o momento, acharam que era um problema dos seus prestadores e que não deveriam participar disso. Sei que há exemplos de hospitais, principalmente aqueles mais estratégicos e com maior força de negociação, que não passaram por isso. Porém, [não é realidade] na grande maioria dos hospitais, falo de 95% deles. Não se esqueçam, o Brasil tem cerca de 6.500 hospitais, dos quais, em grandes números, 2.500 são públicos, 2 mil privados com fins lucrativos e 2 mil privados sem fins lucrativos. São esses hospitais que tocam a medicina no nosso país imenso, não são apenas aqueles que têm maior visibilidade. Então, temos de olhar isso, e esses hospitais não têm condições, porque também perderam nessa situação”, disse. 

Projeto elitista

Balestrin aponta outro agravante: a não realização de projetos econômicos anunciadas pelo Governo Federal. “[O Governo] Lançou ontem (na segunda-feira, 8) um financiamento para hospitais, fez um alarde enorme, que eles irão financiar, com verba de 2 bilhões de reais, para financiar esses hospitais, a juros razoáveis, com dois anos para pagamento. Sabe quanto o hospital precisa ter de receita mínima? R$ 300 milhões. Quantos hospitais no Brasil têm essa receita? É um projeto elitista, porque é só isso que se faz no nosso país”, avaliou.

Humanização no atendimento com a telemedicina e saúde digital

Questionado sobre a humanização nos atendimentos e a novidade da telemedicina e saúde digital, o presidente do CBEXs aponta que é possível conciliar. Ele explica que a telemedicina, como ato médico, deve contar com empatia, cuidado e atenção no atendimento.

Balestrin ainda ressalta que uma possível falta de humanização no atendimento independe do meio de atendimento, já que muitos atendimentos presenciais não contam com a devida atenção. “Não é o meio de comunicação que traz humanização ao atendimento, e sim sua forma de organização”, analisou.

A facilidade de acesso é outra vantagem da telemedicina apontada pelo presidente do CBEXs. “Uma grande virtude da telemedicina, que não podemos deixar no limbo, é que se trata de uma prática que dá acesso ao cidadão. E a coisa mais importante em saúde é acesso”, afirmou.

Assista o webinar completo

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