Genômica saiu da descoberta dos laboratórios e já está presente na assistência médica
Dirce Carraro, do A.C.Camargo Câncer Center, de SP, fez a palestra inaugural do Seminários de Gestão, evento da FEHOSUL, no dia 02 de agostoMedicina e oncologia de precisão, terapia genética, novos tratamentos e o consequente impacto da genômica na medicina foram os destaques da primeira palestra do Inovação, Novas Tecnologias e Gestão Desruptiva, apresentada pela líder do Laboratório de Biologia Molecular e Genômica do hospital A.C.Camargo Cancer Center, de São Paulo, Dirce Carraro. O portal Setor Saúde, veículo de comunicação oficial do Seminários de Gestão, lança a primeira matéria de uma série especial, com o resumo dos conteúdos abordados pelos palestrantes: Dirce Carraro, Carlos Klein (BioHub PUCRS), Salvador Gullo (Dr Rafael App) e Cristiano Englert (Grow +).
O patrocínio desta edição foi do Banrisul; dos laboratórios farmacêuticos AstraZeneca, Astellas, Bristol-Myers Squibb e MSD; e da Unimed Porto Alegre. A certificação foi concedida pela faculdade Fasaúde/IAHCS, e os apoiadores foram IAHCS Acreditação, CBEXs e portal Setor Saúde.
Abertura
A abertura foi realizada pelo presidente da FEHOSUL, AHRGS e da ONA, Cláudio Allgayer. O presidente salientou a comemoração do 30º aniversário da FEHOSUL e o quinquagésimo aniversário da AHRGS, celebrados no início deste ano.
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Allgayer destacou que a proposta da iniciativa é promover subsídios para dialogar sobre as transformações do setor. “Muito falamos sobre as novas tecnologias e o futuro da saúde. Mas, antes que muito disso se torne realidade, é necessário oportunizar espaços como este. Devemos dirigir nosso olhar e atenção a estas novas realidades e pensar o futuro do nosso setor e aproveitar a fantástica força do capital humano existente na saúde. E nos aproximarmos de outros setores com o objetivo de incentivar a inovação. Se colaborarmos em iniciativas transformadoras neste sentido, muitos dos desafios atuais deixarão de ser adversidade em um curto espaço de tempo. Um bom evento a todos!”
Após a fala do presidente da FEHOSUL/AHRGS e ONA, o coordenador dos cursos de Pós-Graduação da FASAÚDE/IAHCS, Paulo Petry, apresentou detalhes do novo curso de MBA da FASAÚDE – instituição de ensino superior certificadora oficial do evento. “A FASAÚDE está lançando, em primeira mão neste evento, o novo MBA Gestão Estratégica e Valor em Saúde. O MBA foi concebido com um conteúdo totalmente renovado, atualizado às tendências e novas discussões do mercado da saúde, como gestão estratégica, assistencial, de pessoas, com foco na geração de valor em saúde. Discutiremos ainda, temas como fusões e aquisições, modelos de remuneração, qualidade e segurança assistencial, governança e compliance, experiência e jornada do paciente, novas tecnologias e inovação em saúde, dentre outros temas imprescindíveis para os profissionais que buscam um conteúdo altamente conectado às novas demandas do setor”, disse Petry.
Dirce Carraro
Dirce Carraro, primeira palestrante do evento, apresentou a palestra Novas Fronteiras da Medicina: Medicina de Precisão e Terapia Genética. Ela apresentou o impacto da genômica na medicina, a evolução do DNA no tratamento clínico, a medicina e oncologia de precisão, além de apontar perspectivas e desafios para a genômica na medicina. Segundo a especialista, “a genômica saiu da [fase de] descoberta científica dos laboratórios, e já está na assistência médica.”
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Redução no custo
A palestrante explicou a evolução no sequenciamento do DNA, que teve a sua estrutura molecular desvendada em 1953. Ela explicou que o custo do processo foi reduzido, com a mudança do sequenciamento capilar (Método de Sanger) pela metodologia NGS (Next Generation Sequencing), a partir de 2005. O NGS possui o grande diferencial de proporcionar o sequenciamento direto e paralelo de milhões e bilhões de moléculas de DNA, o que aumenta consideravelmente a escala e a resolução das análises – o Método de Sanger ainda é utilizado, mas em menor escala.
“O NGS fez grandes revoluções, propiciando a utilização dos resultados dessa metodologia na prática clínica. O custo do sequenciamento decresceu de forma substancial. Além disso, a metodologia permite que o sequenciamento seja feito com muito menos trabalho e tempo”, explicou Carraro.
A palestrante apontou a evolução como uma engrenagem que impulsiona e retroalimenta o conhecimento genômico. “Temos o sequenciamento mais barato e mais rápido, melhoramos muito o conhecimento sobre genes de predisposição a doenças, temos a definição do repertório mutacional do câncer: hoje, os bancos de dados estão repletos de dados de sequenciamento de câncer, e precisamos disso para conhecer uma doença altamente heterogênea, do ponto de vista genético, o que impulsiona desenho de terapias. Esse conhecimento impulsiona uma aplicação de outra abordagem, que se chama terapia gênica”, destacou.
Terapia gênica
Carraro abordou a utilização, na medicina, da terapia gênica, que consiste em edição do DNA, e é aplicada para doenças desencadeadas por um único gene alterado. Ela destacou o Sistema CRISPR/Cas9, técnica de edição genética utilizada para modificar sequências de DNA precisamente, “que é considerada a maior descoberta biotecnológica do século”, de acordo com a palestrante. Ela ressaltou que a técnica não deve ser utilizada em embriões.
Oncologia de precisão
Carraro explicou que a oncologia de precisão possibilita a adaptação do tratamento médico às características individuais de cada paciente e da sua doença (DNA). “A oncologia de precisão é utilizada visando a informação genética, contida no DNA, com o objetivo de estratificar indivíduos em subpopulações ”, salientou.
A palestrante abordou as características do câncer, explicando a complexidade de tratamento de uma doença extremamente heterogênea. Ela ressaltou a evolução no tratamento possibilitada pela oncologia de precisão, por meio de práticas minimamente invasivas.
Medicina de precisão
De acordo com a palestrante, as alterações do DNA podem ser tratadas pela medicina de precisão em três casos: em testes para guiar a escolha de terapia; em testes genéticos em painéis multigenes; e na biópsia líquida – teste feito em uma amostra de sangue, urina ou saliva que identifica ctDNA (células tumorais circulantes).
A estratificação do paciente pela medicina de precisão foi um dos pontos destacados por Carraro, que explicou que o acompanhamento pode ser realizado desde um indivíduo saudável (com verificação de genes de predisposição para a doença) até um paciente em estágio de doença crônica (com marcadores que avaliam a eficácia do tratamento que está sendo realizado e a persistência da doença). Ainda de acordo com a palestrante, 70% das terapias em testes clínicos na oncologia, atualmente, são terapias dirigidas ou imunoterapias.
Desafio na detecção dos biomarcadores
A palestrante ressaltou que, atualmente, a evolução no tratamento oncológico permite métodos diagnósticos cada vez menos invasivos, com redução da quantidade de material tumoral. Isso acarreta em um aumento no espectro de opções terapêuticas, com aumento do número de biomarcadores.
“Hoje, cada vez mais se faz um número maior de testes para saber como tratar cada paciente, porque sabemos que aquele paciente vai responder durante um período ao tratamento”, explicou.
Oncologia de precisão em câncer de pulmão
“O tratamento de câncer de pulmão mudou de forma radical. Pacientes que antes morreriam em pouco tempo, hoje estão vivendo por três anos, depois do diagnóstico do tumor metastático. Esse é um dos grandes exemplos da oncologia de precisão, onde se identificaram várias daquelas marcas de câncer, para as quais existem terapias muito específicas, que fazem a diferença”, salientou.
Carraro abordou os tratamentos realizados com medicamentos que têm como alvo o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) – algumas células do câncer de pulmão têm EGFR em excesso, também apontando a resistência adquirida à terapia anti-EGRF (quando pacientes que inicialmente se beneficiaram com a terapia anti-EGFR podem adquirir resistência).
Perspectivas para a genômica
A abrangência da genômica é cada vez mais destacada, e há inúmeras perspectivas para a sua utilização na saúde. A palestrante apontou como exemplo a utilização de terapia gênica (edição de genes por CRISPR, ou na forma literal, Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas) na prática clínica, a utilização de biópsia líquida como método pouco invasivo para diagnóstico. Carraro destacou a necessidade de ampliar a prática da oncologia de precisão (com testes preditores de sensibilidade a terapias dirigidas, ampliação do uso de ctDNA para detecção de mutações para guiar terapia e detecção precoce de recidiva ou progressão) e de testes genéticos disponíveis para o sistema público.
Desafios
Carraro ressaltou que há muitos desafios a serem enfrentados, tanto no presente como para o futuro. A palestrante disse que, apesar da evolução no tratamento, o custo da terapia dirigida ainda é elevado. Ela também elencou como desafios aspectos trazidos pela nova Lei Brasileira de Proteção de Dados (LGPD), a ampliação do monitoramento de resposta a tratamento e recorrência, a farmacogenética (ciência que estuda a variabilidade genética dos indivíduos com relação a medicamentos específicos), definição de critérios de identificação de pacientes de maior risco, Big Data e Inteligência Artificial, entre outros.