Mundo, Tecnologia e Inovação | 4 de março de 2015

Nova compreensão sobre o desenvolvimento do Alzheimer

Estudo de Harvard aponta para uma seleção natural de neurônios, que geram o desenvolvimento da doença
Nova compreensão sobre o desenvolvimento do Alzheimer

A seleção natural, frequentemente considerada uma força que determina a adaptação de organismos para sobreviver em seu ambiente, também ocorre entre os neurônios. Investigadores de Harvard descobriram que isso acontece com as células pós-mitóticas e desempenha um papel chave no surgimento do Alzheimer.

Utilizando os princípios da seleção natural, o especialista em genética do Museu de Zoologia Comparada de Harvard, Lloyd Demetrius, e Jane Driver, professora assistente de medicina na Harvard Medical School (HMS), propuseram um novo modelo da doença, que sugere que mitocôndrias podem ser colocadas no centro da doença. O estudo se baseia em um trabalho anterior de Demetrius e David Simon, professor de neurologia da HMS, descrita em um artigo no Journal of the Royal Society Interface.

“Para explicar o aumento exponencial do Alzheimer com a idade, tivemos que nos afastar do genoma nuclear e olhar para o que está acontecendo com as organelas produtoras de energia”, explicou Demetrius. “Isso nos levou a um modelo completamente diferente da doença. Nós não descartamos os genes nucleares como desempenhando um papel importante, mas para a forma de início tardio da doença, prevemos um mecanismo baseado no fato de que o DNA mitocondrial tem uma alta taxa de mutação e que as organelas geram menos energia com a idade”.

Proposta mais de duas décadas atrás, a hipótese amilóide diz que a doença de Alzheimer é impulsionada principalmente pelo acúmulo de beta-amilóide nos neurônios, onde o acúmulo desencadeia uma mutação no genoma nuclear. Uma série de ensaios clínicos foram realizados com base nesse modelo, mas nenhum deles têm mostrado resultados positivos. Isso levou os especialistas para outros pressupostos.

“Muitas pessoas estão percebendo agora que temos vindo a apostar em suspeitos – genética e proteínas – que nos trouxeram a um ponto em que, apesar dos bilhões de dólares em pesquisa, não estamos mais perto de encontrar uma terapia modificadora da doença”, ressaltou Driver. “É claro que a genética é importante, mas acho que o que não temos feito é tomar um ponto de vista mais distante, questionando se é mesmo lógico esperar que a mudança de uma proteína poderia ser responsável por uma doença relacionada com a idade”. O modelo de mutação genética poderia explicar o início precoce de Alzheimer, mas esta forma da doença é responsável por apenas cerca de 5% dos casos.

“Os casos tardios, no entanto, são bastante diferentes”, frisa Demetrius. “Eles aumentam exponencialmente com a idade, uma das características mais marcantes da doença. Conforme a idade avança, as chances de desenvolver a doença aumentam”.

No modelo de Demetrius and Driver, o primeiro passo da doença é o que eles chamam de “desregulação mitocondrial”. O processo é, em grande parte, o curso natural do envelhecimento.

Segundo os especialistas, conforme uma pessoa envelhece, as mitocôndrias nas células geram menos energia e são menos eficientes. As mitocôndrias, com o seu próprio DNA, são semelhantes aos descendentes de organismos simples que viviam em uma relação simbiótica complexa. As mitocôndrias que produzem energia celular a partir de nutrientes – como a glicose, num processo denominado fosforilação oxidativa -, são extremamente eficientes. No entanto, o processo tem o efeito colateral de produzir radicais livres de oxigênio, que podem danificar o DNA mitocondrial e as proteínas.

Mutações aleatórias podem prejudicar ainda mais a estrutura e a função mitocondrial. O prejuízo acumulado leva a um déficit de energia, provocando um evento compensatório chamado ” reprogramação metabólica “.

Como resultado final, temos dois grandes tipos de neurônios – saudáveis e comprometidos – que devem competir por nutrientes. Os neurônios prejudicados, uma vez que contêm algumas mitocôndrias com atividade regulada positivamente, têm uma vantagem na competição. Essa concorrência atua com os princípios da seleção natural. Em um envelhecimento normal, os grupos atingem um equilíbrio e, enquanto se mantiver assim, a pessoa não irá correr riscos de desenvolver Alzheimer. O que pode definir uma pessoa no caminho para a doença é a turbulência metabólica que acompanha tanto o estresse físico quanto emocional.

Doenças, como um AVC ou a depressão, atrapalham o microambiente neural e geram pressão adicional sobre os neurônios. Alguns morrem, e outros têm de aumentar a sua produção de energia, a fim de sobreviver. Como resultado, os neurônios com deficiência ocupam uma parcela maior de recursos do cérebro e começam a competir com neurônios saudáveis ​​em busca de nutrientes. “Quando isso acontece, você tem uma rápida mudança em direção ao Alzheimer. O que chamamos de envelhecimento patológico”, diz Demetrius. Os neurônios saudáveis ​​morrem imediatamente, porque estão sobrecarregados com os neurônios deficientes.

A reprogramação metabólica, a pedra fundamental desse novo modelo, é chamada de Efeito Warburg Inverso, pois é análogo ao modo de alteração metabólica de Otto Warburg (Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1931, por descobertas sobre as enzimas que têm participação no processo de oxidação e redução no organismo), que explica a origem das formas de início tardio de câncer. A mudança metabólica, neste caso, é a regulação positiva da glicólise.

“As implicações terapêuticas são bastante simples”, garante Demetrius. “Para impedir que esta mudança normal de envelhecimento patológico, tudo o que precisamos fazer é garantir que o quase-equilíbrio entre os neurônios permaneça estável, e nós podemos fazer isso através do que chamamos intervenções metabólicas”. O tratamento envolve intervenções como exercícios, drogas ou nutrientes que alteram a microbiota neuronal para que os neurônios saudáveis ​​mantenham sua vantagem seletiva e o cérebro não mude de normal para o envelhecimento patológico.

O estudo sugere que o aumento de substâncias precursoras de energia – como lactato, cetonas, e triglicérides – pode ajudar os neurônios. “Se o paciente cuidar bem da pressão arterial, se exercita regularmente e segue uma dieta de baixa caloria, está no caminho que contribui para a saúde metabólica”, destaca o pesquisador. “As coisas que precisamos fazer para prevenir o Alzheimer, ou pelo menos auxiliar no combate à doença, estão dentro de nossas mãos”, conclui Demetrius.

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