Política | 2 de setembro de 2015

Médico paulista publica carta aberta para a presidente da República

Dr. Roberto Cacciari diz que classe profissional não tem motivos para agradecer
Médico paulista publica carta aberta para a presidente da República

Em artigo publicado no jornal O Globo, intitulado Carta de um Médico Para a Presidente da República, o Dr. Roberto Cacciari, profissional da cidade de Catanduva-SP, lamenta a atual situação da classe médica brasileira. Incentivado pela visita de Dilma Rousseff ao município, ele é enfático nas críticas.

“Desculpe-me não poder aplaudi-la hoje. Eu estava trabalhando, como sempre. A propósito, é isso que os brasileiros mais fazem para tentar consertar o seu desgoverno. Confesso, adoro trabalhar. Isso não é problema para mim. Porém, trabalhar sem perspectivas de mudança e melhoria, isso me incomoda. Cansamos de improvisar para resolver os desatinos do seu governo. Quem gosta de dar um jeitinho em tudo, são vocês aí de cima; nós, médicos, cansamos!”

Dr. Cacciari é especialista em Medicina Integrativa Personalizada. Segundo ele, o estopim da sua indignação foi a exigência da presidente, de um leito de UTI reservado apenas para atender um eventual problema. “Nossos pacientes que vivem à espera de um leito, às vezes até morrem aguardando, como ficam? A senhora deveria dar o exemplo: primeiro, como cidadã que se preocupa com seus pares, cedendo sua vaga para aqueles que realmente precisam; segundo, como autoridade, indicando a postura a ser seguida. Agindo como fez, reiterou o caos que se encontra a saúde pública desse país”.

Fazendo menção a si próprio, o médico salienta que “se precisasse de vaga de UTI, deveria aguardar na emergência até surgir um leito. Poderia demorar dias, até semanas. Aliás, é assim que funciona. A senhora não sabia? Passe uns dias aqui conosco para averiguar”.

Cacciari diz que a exigência presidencial de leito reservado na UTI de hospital na cidade prejudicou o serviço local. “No hospital de nossa cidade atendemos outras 19 cidades circunvizinhas que encaminham seus pacientes para cá. Nossa emergência vive lotada, os corredores contêm macas por todos os lados. Alguns pacientes aguardam dias até surgir uma vaga na enfermaria”, lembrou.

“Como se não fosse suficiente a reserva no hospital tirando leito de quem precisa, ainda solicitou que três viaturas do SAMU estivessem ao seu dispor. Senhora presidente, trabalho no SAMU há seis anos. Conheço muito bem as necessidades e prioridades desse serviço. Cobrimos, 24 horas por dia, 19 cidades. Muitas vezes precisamos de suporte de mais viaturas para atender ocorrências com inúmeras vítimas, porém não temos disponível, nem profissionais”, diz a carta.

O médico revela que a instituição atende cerca de 500 mil pacientes, com apenas um médico disponível do SAMU. “Saiba que Catanduva tem médicos competentes o suficiente para atendê-la em caso de necessidade. Tenha certeza que será muito bem atendida, enfrentamos bem situações adversas”, ironiza.

O texto também critica a solicitação de reforço na segurança. “Além dos seus inúmeros seguranças particulares, a senhora mobilizou nosso contingente para resguardar sua integridade. Cerca de 50 policiais à sua disposição, além de viaturas. Ora, e a segurança da nossa população? Somos 115 mil habitantes e precisamos de mais segurança. Atendemos baleados, esfaqueados e agredidos com frequência em nosso serviço. Muitos deles precisam do espaço que a senhora reservou para seu ‘eventual’ atentado”.

Por fim, o médico pede que a presidente “nos represente com honestidade e cuide de nossa população, ainda mais dos que precisam de condições mínimas de saúde”. Indignado, Roberto Cacciari conclui dizendo que “não temos que agradecer nada que a senhora fez, pois não fez mais do que a obrigação. O dinheiro é nosso, a cidade é movida pelo nosso empenho. O povo é seu patrão! Portanto, da próxima vez, nem venha. Trabalhe! Busque soluções concretas para o poço sem fundo que o país está. Rápido, antes que nosso Brasil vire pó”.

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