Política | 15 de abril de 2016

Dilma autoriza uso da fosfoetanolamina sintética

Anvisa, CFM e Interfarma são contrárias à decisão
Dilma autoriza uso da fosfoetanolamina sintética

A presidenta Dilma Rousseff sancionou no dia 14 a lei que autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com câncer e definiu a permissão como de relevância pública. O texto da lei, publicado no Diário Oficial da União, ressalta, entretanto, que a opção pelo uso voluntário da fosfoetanolamina sintética não exclui o direito de acesso a outras modalidades de tratamento contra o câncer. Entidades como Anvisa, Conselho Federal de Medicina e Interfarma divulgaram preocupação com a decisão, repudiando a medida adotada pela presidente da república.

A ingestão da substância, conhecida popularmente como “pílula do câncer”, poderá ser feita por livre escolha do paciente, que precisa ter um laudo médico que comprove o diagnóstico e assinar um termo de consentimento e responsabilidade.

Apesar de a posse e o uso da fosfoetanolamina estarem autorizados mesmo sem o registro da substância na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os laboratórios só poderão fazer a produção, manufatura, importação, distribuição e prescrição da fosfoetanolamina sintética mediante permissão da Anvisa.

A autorização de uso é em caráter excepcional, enquanto estiverem sendo feitos estudos clínicos acerca da substância.

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a interrupção do fornecimento da pílula do câncer pela Universidade de São Paulo (USP), produtora da substância, após o fim do estoque. A Corte analisou um pedido feito pela própria USP contra uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinava o fornecimento da substância a pacientes de câncer, sob pena de multa. Na decisão, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, disse que ao obrigar a universidade a fornecer a substância, as decisões já tomadas sobre o tema estariam desviando a instituição de sua finalidade e destacou que não há estudos que atestem que a fosfoetalolamina seja inofensiva. A instituição universitária já descontinuou a produção do suposto medicamento.

Pode colocar a população em risco, segundo a Anvisa

A liberação do composto pode colocar a população brasileira em risco sanitário porque libera a utilização de uma substância que não passou por nenhum tipo de teste capaz de assegurar sua segurança e eficácia. A avaliação é do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do próprio governo federal, Jarbas Barbosa.

Para Jarbas Barbosa, os riscos representados pela legislação recém-sancionada são tremendos por colocar a fosfoetanolamina sintética fora do ambiente regulatório brasileiro, que vinha sendo construído desde 1970 e culminou, em 1999, na criação da agência. Jarbas disse lamentar a sanção e garantiu que o órgão vai estudar ações juridicamente capazes de fazer com que o dano à saúde das pessoas seja minimizado.

“Eu tenho o maior respeito pelo Congresso Nacional, mas ele não é capaz de fazer uma análise técnica. E a autorização de um medicamento tem que ser feita por meio de uma análise técnica com base na ciência e em informações. O Congresso tem uma visão política porque é um órgão político. É por isso que, em nenhum lugar civilizado e em nenhum país desenvolvido, é o Congresso Nacional quem autoriza o uso do medicamentos”, afirmou Jarbas Barbosa, em entrevista ao Portal EBC. ” O lamentável em todo este insólito episódio é que a própria presidente Dilma, sempre muito atuante em vetar dispositivos originários do Congresso, sequer tenha ouvido seus órgãos técnicos assessores, promulgando como Lei uma excrescência tal, que pode causar mais prejuízos a pacientes bastante debilitados pela doença neoplásica”, afirma o médico Cláudio Allgayer, presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul ( FEHOSUL).

 Conselho Federal de Medicina

O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nota na qual recomenda aos médicos brasileiros a não prescreverem a fosfoetanolamina sintética para tratamento de câncer até que a eficácia e a segurança da substância sejam reconhecidas por evidências científicas. No texto aprovado pelo plenário do CFM, a autarquia federal se manifesta contrária à sanção da Lei nº 13.269/16, que autoriza o uso da fosfoetanolamina por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Veja a íntegra da nota:

 *  Posição do CFM sobre a sanção da Lei nº 13.269/2016

Na hierarquia das normas, prevalecem as leis sobre as resoluções. Assim, com base no princípio da legalidade, a Lei nº 13.269/2016, publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (14), permite ao médico a prescrição da fosfoetanolamina.

Não obstante, é um dever institucional do Conselho Federal de Medicina (CFM) alertar os médicos e a sociedade brasileira sobre a necessidade de pesquisas clínicas que possam assegurar a eficácia e segurança dessa substância para posterior uso na rotina da prática médica, de acordo com as disposições contidas na Resolução CFM nº 1.931/2009, o Código de Ética Médica (CEM), e com respaldo na Lei nº 12.842/2013, a Lei do Ato Médico, que em seu artigo 7º, atribui ao CFM o reconhecimento do que é terapêutica experimental em medicina no País.

Portanto, o CFM não recomenda a incorporação da fosfoetanolamina no arsenal terapêutico antineoplásico até o seu reconhecimento científico com base em evidências, de sua eficácia e segurança, a serem obtidas nas conclusões de pesquisas clínicas.

Brasília, 14 de abril de 2016.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

 Interfarma faz duras críticas à decisão

A Interfarma, que reúne 56 laboratórios, empresas e pesquisadores em saúde, responsáveis pela venda de 82% dos medicamentos de referência do mercado e por 33% dos genéricos, no canal farmácia, emitiu nota oficial contrária à decisão. Antônio Britto, presidente-executivo da INTERFARMA, que já foi Ministro da Previdência Social e governador do Rio Grande do Sul, emitiu nota oficial da entidade, criticando veementemente a decisão. “Deputados federais, senadores e a Presidente da República revogaram, com esta decisão, uma conquista universal: o respeito à ciência e aos pacientes”. E faz um alerta: “O Brasil, a partir de hoje, entra na história da ciência mundial e da indústria farmacêutica como o primeiro país a legalizar a irresponsabilidade, anular a importância da ciência e a igualar o remédio com o não remédio.”

Leia a integra:

 A publicação do Diário Oficial da União (DOU) de hoje, da Lei nº 13.269, que autoriza o uso da substância fosfoetanolamina em caráter excepcional a pacientes de câncer, como se medicamento fosse, encerra um dos capítulos mais tristes da saúde pública brasileira. Deputados federais, senadores e a Presidente da República revogaram, com esta decisão, uma conquista universal: o respeito à ciência e aos pacientes.

Em nome deste respeito, em todo o mundo, não são distribuídas drogas sem que haja o ato responsável de avaliar suas consequências e eficácia em relação aos pacientes. Por conta desse respeito, constituíram-se processos de pesquisa clínica, com rigorosos padrões universais, adotados pela ciência. E, ainda, organizaram-se autoridades sanitárias que avaliam e validam os resultados das pesquisas conferindo aí, e apenas então, registro como medicamento à droga que tenha ultrapassado todas as etapas.

O Brasil, a partir de hoje, entra na história da ciência mundial e da indústria farmacêutica como o primeiro país a legalizar a irresponsabilidade, anular a importância da ciência e a igualar o remédio com o não remédio. Uma decisão tão sem sentido que informa que a droga, que não foi testada nem aprovada pela ANVISA, só pode ser produzida por quem tem autorização para fabricação de medicamentos pela mesma ANVISA. E, pior, uma decisão que só vale enquanto não ficarem prontos os testes. Depois, se eles concluírem pela negativa ao produto, quem responderá pelas consequências?

Será difícil, muito difícil, explicar a interessados em parcerias com o Brasil sério, de cientistas aplicados e renomados e de uma Agência reguladora de qualidade internacional, que esse mesmo País abriga e oficializa um ato de tamanha irresponsabilidade.

Irresponsabilidade com os pacientes de câncer que premidos pela angústia e pela dor são levados a uma crença que não dispõe, ao menos agora, de nenhuma comprovação quer quanto a eficácia quer quanto a inexistência de efeitos contrários. Irresponsabilidade, ainda, com o papel de suas autoridades sanitárias que tiveram sua opinião técnica trocada por apelos políticos. Irresponsabilidade com a imagem científica do País, construída globalmente com enorme sacrifício por cientistas e médicos.

Antônio Britto, presidente-executivo da INTERFARMA

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